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Saúde! 2!

Refúgio ou fuga? Poderia ser um danado de um deixa-a-vida-me-levar. Samba é que fala muito disso, né? Pode falar de samba sem provocar reações furiosas dos entendedores do assunto? Não há ainda nada no caderninho sobre isso. Assim, sem muito esforço e sem Google, dava para arriscar dizendo que há muito samba que fala de mar, de deixar-se ser levado pela(s ondas da) vida.  Mas, voltando à Lois Lane, sem querer parecer super-homem (o que um homem de aço estaria fazendo numa casa de saúde da Tijuca, né?)… Deixar a vida levar a gente, se tiver essa moça na história, é deixar as coisas muito mais por conta dela do que da vida.

Eis que surge a ultra-sonografia mais rápida de todos os tempos, para reorientar os pensamentos e criar novos parâmetros para todas as coisas. Deve ter medalha pra isso, naquele lugar, e o playboy-doutor com camisa Ralph Lauren e luvas azuis deve ser um dos campeões. Prometeram resultado para dali a 15 minutos. O pessoal do sangue e da urina deve ter outra liga e o próprio troféu, porque não é uma disputa justa. Quer dizer, o playboy pode ser muito bom naquilo ali, né? De que time deve fazer parte a médica da calça cor-de-rosa?

Madonna. Madonna? O que ela fazia, ali, na Tijuca? Era hora das bobagens mais sérias. “Everybody, c’mon, dance and sing… Everybody, get up and do your thing…” É isso. Hospital é um lugar em que fica mais fácil a gente pensar na vida, em como pode estar tudo por um segundo. Mas aí já vira Gilberto Gil, vamos manter o foco. Foco. Como o cara da Ralph Lauren. “Everybody” teve sua função nos anos 80, deixou a material girl mais rica e, agora, num prédio com corredores bem brancos, na ZN do RJ, faz alguém pensar na vida e em fazer o que realmente curte. Isso só deve durar até o fim da tarde, volta na próxima cólica renal e, aí, segue se repetindo até que um dia não vai dar tempo de se perguntar nada ou lembrar de música nenhuma.

Parece que já não há médica com calça cor-de-rosa nesse mundo de meu Deus então vamos agradecer ao Todo Poderoso pelo surgimento de uma outra personagem interessante, desta vez com moletom cinza e crachá azul. Pode trocar de personagem, nos finalmentes duma crônica? Pro garoto que estava com a mãe, bem ali do lado, esta troca não faz sentido. Nenhuma troca deve fazer sentido para ele, na real. Para aquela criança, tudo que importa é o tubo de batatas fritas com o qual ele foi presenteado. Ficou uma piscina de farelos, em volta do lugar em que ele estava sentado. Um verdadeiro rastro de felicidade, sem que aparentemente nenhum resultado satisfatório de exame tivesse sido necessário.

Já tinha ouvido falar em “rastro de felicidade”? Provavelmente, não, né? O noticiário, quando fala em “rastro” geralmente emenda com “destruição” ou “violência”. Pergunte ao pessoal de Bonsucesso. O jovem do tubo de batatas deixou pra trás um rastro de prazer e felicidade. Precisou vir alguém da limpeza para consertar aquilo. 13h45m. O sinal de fome sentido pelo escriba explica um pouco a voracidade do garoto diante das fritas. Fome. O menino estava acompanhado, provavelmente, pela mãe.

E eis que, na pulseira de identificação do maníaco do caderninho,  o nome de uma outra mãe salta. Fazem isso em hospitais para que, por exemplo,

xarás não corram o risco de receberem medicamentos trocados. O filho de Fulana recebe o comprimidinho X. O de Beltrana, Y. Mas o nome e a lembrança de uma genitora pode trazer de volta um outro rastro de felicidade: como o que fica quando uma criança, depois da consulta, ganha sempre uma fatia de pizza. Dessas maravilhosas pizzas de padaria. Ainda existe isso? Um rastro de felicidade que faxina nenhuma tira da memória.

A felicidade pode abrir as portas das descobertas transformadoras. Lá pelas tantas, fica claro que a médica de calça cor-de-rosa trabalha no consultório 5. O pessoal da limpeza parece não ligar muito se a gente levanta ou não os pés para facilitar o acesso deles , com vassouras ou esfregões, para limpar embaixo das cadeiras. Se você não quer que lhe injetem “contraste” nas veias, para certo tipo de exame, isso deve ser marcado num formulário que te dão, antes do procedimento. Frio e fome não são coisas boas de se sentir, ainda mais ao mesmo tempo.

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Saúde!

Não é sempre que hospitais grandes dão grandes sustos. Quer dizer, os sustos que você pode experimentar num lugar cheio de gente com roupa branca não depende do tamanho do lugar. Depende mais das pessoas. E hoje elas nem sempre estão todas vestidas com roupas da mesma cor. Casas de saúde podem parecer supermercados. Passe cinco horas numa e entenda. Você se pega sorrindo e se pergunta na sequência se pega bem ficar fazendo isso num lugar como aquele, ainda mais numa área de atendimento de emergência. Primeira pergunta: em mercados, é mesmo mais fácil manter a cara fechada? Talvez, depois do resultado de algum exame, também seja mais tranquilo/possível fazer isso. Notícias boas nos arrancam risos. Gargalhadas, às vezes. Mas, pô, mostrar os dentes num lugar daqueles, antes até de passar pela triagem em que verificam a pressão, pode parecer exagero. Ou loucura mesmo.  Dependendo do filme, podem apontar na sua direção, no corredor, dizendo que você está no hospital errado.

Ok. Vieram tirar sangue, pediram que enchessem o potinho de urina. Diante da informação de que os resultados viriam em uma hora e meia, restava esperar chamarem para a ultra-sonografia abdominal. Musiquinhas/alarmes de celular ficam muito piores, em salas de espera onde há gente com dor. Bem piores do que sorrisos. Se bem que, sabe, parece haver uma mobilização auditiva em torno de alguém que atende a uma ligação. Gente curiosa… não seria ali que encontrariam a cura para isso. Falavam em uma hora e meia, aí, em cima? Tempo mais do que suficiente para muitos alarmes de celular e, claro, para pensar em muita, muita bobagem.

Na era do ódio (à qual salas de espera de hospitais não estão imunes), sorrisos podem ser mais arriscados se há um tiozinho gigante e careca com cara de hooligan, ali, encostado na parede. Sorrisos vão, sorrisos vêm, desconversas vão, desconversas vêm, ouvidos espichados vão, ouvidos espichados vêm e você pode ficar aliviado e quem sabe sorrir mais à vontade ao descobrir que o gladiador trabalha na recepção do hospital. Ah, claro, tinha sido possível vê-lo, antes, mais cedo, testemunhando que a comida naquele dia estava boa. Mora em Bonsucesso, ele diz, interagindo com a moça que cuida de aplicar analgésicos em quem chega com etiqueta amarela. Ela também tira sangue para exames, mas, aí, parece que não precisa de etiqueta nenhuma, só mesmo três formulários preenchidos corretamente e carimbados. Neste mundo de celulares, ainda há carimbos, vejam só. Às vezes, nos vemos diante de um tiozinho. Outras, de um gladiador. Um tiozinho-gladiador, por tanto, ou TG. O TG dá detalhes sobre a rua em que fica sua casa, diz que lá não tem muito assalto. A última frase antes de ele desaparecer faz a gente entender a expressão que não dava trégua: dor nas coluna.

Mas vamos às bobagens: não é uma disputa, mas… só há uma pessoa, na sala, com caderninho e caneta. Todas as outras estão com celular. Deve ser uma médica, a mulher que passou com calça cor-de-rosa. Apareceu, primeiro, com uma blusinha branca. Depois, de jaleco, o que lhe emprestava um ar mais sério. E de poder. Tinha uma postura diferente daquela da moça que obtivera a informação do hooligan sobre a segurança pública no bairro de Bonsucesso. A mulher de calça cor-de-rosa não sossega na sala. Às vezes, passa de máscara. Outras, sem; como quando andou de blusinha branca. Corredores, mesmo os de enfermarias, podem ser verdadeiras “passarelas”. Num dos desfiles, ela falava no celular e demonstrava preocupação: “Isso não é possível!” Nos olhos de quem estava em volta, via-se a mesma expressão de espanto e curiosidade que já havia aparecido, antes, nas pessoas que mergulhavam no aparelhinho mágico.

Hm. Uma paciente nova, ali, noutro corredor. Ruiva. Vermelho. Sangue! Teria sido prudente — ou chato? — ligar o cronômetro, quando a moça do sangue falou sobre o prazo para entrega do resultado do exame? A moça do sangue. É uma maneira estranha de fazer referência a alguém. Claro que depende do lugar de fala. O bom e velho lugar de fala, né? Na fila de atendimento da emergência, o senhor Lugar de Fala parecia ter ficado para trás em relação à dona Linguagem Neutra (era dela a etiqueta amarela). Esse papo de lugar de fala cabe aqui? Hospital é mais lugar de sangue mesmo. Deve ter gente incomodada com a classificação doutora-de-calça-cor-de-rosa. E não há tratamento para isso. Aliás, ela estava demorando a aparecer de novo. Será que todos os dias circula por ali?

Bobagens mais sérias pediram passagem. O que uma personagem como Lois Lane tem para aparecer nas fantasiosas elaborações de um paciente que aguarda notícias numa emergência de hospital? Lois Lane parecia o jeito de falar, dá licença? Difícil decidir o que fazer com ela, porque ninguém quer arrumar confusão com um homem de aço. Se a gente pipoca diante de um hooligan, imagina frente a um sujeito que veio de Krypton… A iminência de um julgamento final pode fazer a gente abandonar qualquer caderninho e correr para o smart phone. Cada um foge como pode. Numa tarde hospitalar, pra certos sujeitos, um esconderijo pode ser feito por exemplo de papel e caneta.

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Dor à vista

Uma tela que se embaça, diante de dores reincidentes e de falta de promessas. Não na catástrofe televisionada e amplamente falada. Dentro de nós. Numa saudade que arrefece, após um sonho do qual não é possível lembrar, mas, sim, estava lá. Esteve lá. Desde muito tempo. Depois de tanto pregar que “o amor só é bom se doer”, vem uma dor que põe tudo em xeque. Sofrimento serve mesmo para isso: para tornar vitorioso o que o provocou e conduzir ao saco dos perdedores aquele que… perdeu. Neurose pouca é bobagem. Mas uma bobagem que nem o samba da praça consegue abafar.

Depois do mais amargo dos cafés, quem consegue dormir? O playboy capaz de brigar com apenas o próprio umbigo poderá considerar-se sortudo. Depois, deve dar tempo de escorar-se numa sentença óbvia: não há nada de original ou especial nesta carcaça, mané. Todo mundo é igual: pior com dor do que sem dor. Pode ser que passe, claro. Há uma máxima/promessa já apontada como de origem árabe e que dá conta disso, com uma simplicidade dolorosa (claro que era para ser assim): “Tudo passa.”

A chegada/volta da dor é uma ótima ocasião pra avaliar o que se diz/pensa. Talvez, focar na semântica. Na dor, revemos coisas  Há quem faça promessas. Tem gente que aproveita para falar das músicas do Nirvana, explicando por que foge delas: muito sofrimento, ali, naqueles versos. É uma maneira de ver. Pode ser que não haja analgésico que dê jeito. O ápice da dor, o apogeu da dor, o esplendor da dor… Falando assim, parece até uma emenda para dar sequência aos “Provérbios do inferno”.

Se (um)a dor pode mesmo ser o combustível para aumentar um poema? Ou um clássico qualquer. Por que não? Metade da humanidade parece estar cansada do amor, que já foi apontado como o grande combustível da música/indústria pop. Outra: dor tem preço? Será que o cabra sofredor de agora provocou coisa parecida, isto é, muita dor, em outrem e, depois, precisa acertar as contas, encarar o preço a ser pago? Quando a dor vem em prestações, desde muito tempo, é porque o cara deve muito?

Há quem prefira pagar à vista para, quem sabe, sugerir um desconto. Ou então é só por não gostar mesmo de parcelamentos. Uma coisa é certa, apesar de não garantir nada: tem dor que é melhor não sentir. Assim como há contas que o sujeito — de uma maneira ou de outra — precisa acertar.

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Rainha do pop… Zzz…

O que torna uma pessoa merecedora disso ou daquilo? A gente merece o show de Madonna, aqui no Rio? A pergunta não quer dizer que o escriba a considere grande coisa. E tampouco a última frase serve para colocá-la num lixo liliputiano qualquer. A questão é: aqui está a artista, em pauta/alta. Nos últimos dias, foi esculhambada por um velhaco cineasta lacrador, celebrada por uma colunista bonitona e de veiculozão, passou pelas confissões de uma crítica gastronômica que lamentava que seus amigos chefs não lhe tivessem dado qualquer informação relevante… Madonna estava em todos lugares, nos últimos dias. Até aqui. E parecia unir o que já estava junto, além é claro de apartar o que já estava separado.

Os conselhos, essas coisas que a gente sempre pode ouvir, em vagões às vezes lotados do metrô, pareciam estar sendo dados aos montes e sendo direcionados a quem se arriscaria a ir à praia de Copa para ver a veterana. Será que Madonna fica boladona de ser chamada de “veterana”? Alguém tem para ela um conselho sobre isso? Ah, não era sobre isso, o conselho no vagão entupido de gente? Não, era para quem quisesse ouvir, e era em torno duma regra básica para eventos deste naipe naquele bairro: “levar o celular do ladrão”. Pra quem veio de fora, o encontro com Madonna na praia vai ser uma aula/prova de sobrevivência. Para quem é da cidade, idem.

E pra quem não tem maturidade para absorver ensinamentos assim tão… tão importantes? Tipo a menina de 11 anos, que vai ter que se contentar em ficar na areia mesmo, em meio aos milhões de aconselhados que foram até lá para participar da festa. Precisava ter já chegado aos 13 para participar da promoção que oferecia ingresso VIP para a maratona. O primo do vizinho de um amigo sumido foi quem falou: Madonna publicou no Insta dela que você estará concorrendo a um ingresso VIP se mandar um zap com a palavra “rio”. Tomara que alguém esteja espalhando isso no metrô, porque mesmo que hoje em dia as notícias — as falsas e as muito falsas, principalmente — circulem por celular, artista que já pretendeu orientar o futuro de uma certa humanidade hoje tem uma certa cara de passado e… e é isso que dá pra apontar como legal nela.

Para o cineasta grisalho, parece que nem mesmo isso. Cineasta não aprende mesmo, né? Essa mania de provocar, de achar que dá para fantasiar inveja de verdade… Precisava dizer que aqui no quintal tem pelo menos umas duas dezenas de cantoras melhores do que a material girl? Não deu tempo de pesquisar que intérpretes são estas, porque, além de cheio o metrô anda atrasando muito. Aí, você chega tarde em casa e vai escolher o lado de quem está contra o show em frente ao Copacabana Palace? Não, você vai lá conferir se é verdade essa história de sorteio de ingresso vip porque, cara, se você consegue, vai ser tipo ganhar na loteria. “Menos. Menos. Menos.” Tipo ganhar no bicho, pode ser?  Só não vai arrumar confusão comparando Madonna com um bicho qualquer. O conselho vale também para quem não é cineasta. Ela é da espécie das vencedoras. Das que fazem o mais ranzinza dos alvinegros levantar a bunda do sofá pra dizer que sua música preferida é “Borderline” e, também, rascunhar algo. Já que não vai na porcaria do show. Pelo menos faz uma porcaria de texto.

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Boteco Connection #14 — Luz, câmera… goró e ação!

Que sofrimento, transmitia aquele casal, lá, naquela mesa. Que lavada, a mulher deu no cara. E ele calado.  Ela puxou o que parecia ser toda a história recente do sujeito. Era um daqueles casos em que ninguém precisava se esforçar para ouvir o que estava sendo sussurrado. Roupa suja pode mesmo cheirar mal à beça. Surgiram nomes. Escorreram detalhes . O cara, calado, só garantia que os copos estivessem sempre abastecidos de cerveja. Parecia que um pedido de isqueiro emprestado aliviaria a tensão. O movimento foi feito por alguém que passava, porque ninguém que estava ali perto teria coragem para tanto. Foram seis de 600ml, em pouco mais de meia hora. A virada veio, depois da sétima. “Fala de amor, fala de sentimentos. Eu fiquei lá… A gente combinou. Eu olhava. Vi um cara alto e voltei. Que susto, ali, naquele momento.”

No bar ao lado, um som alto. E um outro personagem, parecendo protagonizar o trailer de outro episódio de “Histórias desgraçadas”. Só podia ser isso que estavam filmando, mas ninguém via as câmeras. A porcaria de música escolhida, ali, não impedia o “público” de enxergar situações. Diante daquela garrafa de cachaça, que ia e vinha, alguém se debruçava sobre o momento que havia sido feita uma importante troca: em vez de amor em migalhas, amor em goles. A garrafa não ficava na mesa, mas não dava para afirmar que era por isso que os goles eram lentos. Apenas ia e vinha, nas mãos de um garçom que parecia querer cumprir corretamente o protocolo de encher o cálice até a beirada, até derramar/escorrer um pouquinho. Dava para apostar que em pouco tempo o bebedor escorregaria da cadeira. Mas não era um programa de apostas. Era uma minissérie sobre amor-lixo ou algo assim. Não era rodriguiano. Era escroto.

Duas meninas pareciam alheias a tudo. Tinham aparência de muito novas e devem, provavelmente, ter que mostrar os documentos para comprovar que estão na idade de consumir álcool. A pitada de terror da filmagem se deu com estas duas. Foram abordadas por um homem em situação de rua: grande e parrudo, com calça Adidas preta bem justa e uma camiseta verde. O que assustava nele era o tamanho. Parou em frente às meninas e deu para entender que se referiu a uma delas chamando-a de Teresa. Ele levou a mão direita ao próprio peito, quando abordou a duas, como se estivesse se desculpando pelo inconveniente. Teresa estava preparando um cigarro. É, um cigarro desses que a gente enrola com tabaco, pondo um filtro para reduzir danos, e acende fazendo pose de quem não está se matando… Depois do amor em migalhas e do amor em goles, surgiria, então, o amor em baforadas. Ela olhou para aquela com quem dividia a mesa, como que pedindo aprovação, e ofereceu o cigarro ao homem. Ele aceitou. As duas pegaram então suas latinhas, encostaram uma na outra, provavelmente sem conseguir com isso provocar nenhum tim-tim, e saborearam longos goles.

Num terceiro pico, estavam dois homens. Cada um com um celular, porque não dá para imaginar o mesmo aparelho para duas pessoas, né? Com boa vontade, era possível engolir o que os roteiristas queriam empurrar para a galera: o amor em kkkk. Parecia ser o tipo que termina mesmo mais rápido.

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Oinc! Oinc!

“Confio mais na Elma Chips do que em mim.” Foi após esta frase, disparada pelo mais “forte” do grupo, que o quarteto mereceu atenção. Eram barbados de camisetas pretas, primeiro falando sobre um amigo que havia morrido recentemente e depois sobre comida. “O bróder empacotou por causa daquela mulher”, concordaram. Conseguiam emendar assuntos aparentemente bastante distintos. Cerveja sempre ajuda, em casos assim. Depois de falarem do falecido, por exemplo, explicaram por que — tirando o “mais forte” — precisavam fazer batata palha em casa: queriam, vejam só, que nas noites de estrogonofe os filhos tivessem uma experiência mais especial.

Comiam empadas como porcos. Era farelo para tudo quanto era lado. As barbas ficavam horríveis, fazendo a gente da plateia pensar como ficariam, também, nas noites de estrogonofe, as tais reservadas para experiências mais especiais. Cerveja pode piorar as coisas, em casos assim. Ao menos, eram porcos solidários. Sujavam-se juntos e pareciam capazes de engordurar, sem muita cerimônia, quem estivesse próximo. No balaio de pautas, pegavam e devolviam histórias, mas voltavam sempre à morte daquele sujeito. Era de se esperar que estivessem tocados com a perda do amigo. Repetiam informações, reafirmavam as teorias. Havia um discurso digamos afinado sobre o que havia sido a pedra no caminho do falecido: “A companheira dele.” A insistência nisso podia alimentar a curiosidade de quem estava perto.

Pegando esta trilha, naquele volume, dava para desconfiar que de alguma maneira queriam envolver toda a calçada na história. Com cerveja ou sem cerveja, pareciam confortáveis no papel, isto é, diante do risco de serem apontados não apenas como porcos, mas como “porcos escrotos”. “Ela parecia a mulher ideal. Os dois eram baixinhos, como personagens de ‘O Senhor dos Anéis’. Depois, cara, ela virou um monstro.” Lá pelas tantas, tiraram lenha da fogueira da encenação, como que cansados de esperar por aplausos. Indicavam o fim do espetáculo. Pareciam assim reduzir a sugestão de castigo que certamente viria após a descida das cortinas e o abandono do palco. Nas naquela altura, era já certo que a condenação viria, indiscutível, provavelmente anunciada com caras enfezadas pelo tribunal de beira de rua. Não dava mais tempo de amenizar nada, nem com a frase final sobre o caso, esclarecendo que a vítima “já tinha trombose, desde cedo”.

Pagar a conta, ao contrário da performance, foi um detalhe que protagonizaram quase em silêncio absoluto, como se alguma “consciência” ou “culpa” tivesse passado a dominar o chiqueiro virtual deles. Apontaram para as maquininhas de cartões, indicando que era daquela maneira que acertariam as coisas. “Crédito ou débito, hein?” Foi quase engraçado ouvir cada um deles respondendo secamente sobre a transação… “Crédito.” “Crédito.” “Crédito.” “Crédito.” Porcos unidos jamais serão vencidos?

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A gente que desenha #3

Aquele papo de Natal e fim de ano. Festa, festa, festa. Inclui fácil, fácil, uma última aula. Um último chocolate. Peraí, vamos nos resguardar com as aspas: “último”. Em meses como dezembro, a gente tende a não lembrar de começos. Quando despertou o interesse pelo desenho, pelo café, pelo chocolate, pela…? Não. A gente só sente o tempo passando, chances — se é que podemos chamar assim — escapando. Um tantinho de aprendizagem. Num grupo de estudos, o sujeito é capaz de sentir também que algumas “verdades” flertam com o “absoluto”. A hora de parar, por exemplo. De considerar o troço pronto. Serve tanto para texto quando para desenho.

Nem sempre é fácil, ou mesmo possível, decidir isso. Aí, vem o outro lado da moeda. Ou mesmo outra moeda. Alguém sugerindo que se revisite um determinado trabalho, que ali ainda há (n)o que mexer. Qualquer estômago embrulhado, ar de dor de cabeça, desconforto-sem-nome pode surgir daí. A existência de uma hora “certa” para terminar alguma coisa não significa que todo mundo vai concordar com o momento em que essa necessidade surge.

Você está preparado para uma sentença/sugestão como “Vamos refinar as coisas, hoje… Nesse antigo mesmo… Em vez de começar um novo…”?

Para o que você se preparou? Está tudo OK para participar da foto da turma, com iluminação dirigida por alguém que se preocupa com luzes e sombras? Está relax para deixar os cliques acontecerem? Será capa de sorrir? Numa sala repleta de artistas e observadores natos, o que ficará evidente na pose da turma? Os que os sorrisos dirão? O que a luz dirá? O que as sombras dirão? Apertos de mão fortes. Sorrisos repetidos e ao mesmo tempo ímpares. Abraços. A lembrança de um desenho que representa uma vitória, ou, ao menos, um passo dado.

Ah, as sombras. Fim de ano é dia de lembrar de frases marcantes. Tipo “Core shadow é onde a sombra canta”. É dia de rir com piadas toscas: “A pessoa se mexe porque é aula de modelo vivo… Se não mexesse, seria modelo morto…” É tempo de esperar que as informações se assentem, que deixas ganhem corpo, que vibes circulem. Que chocolates estejam sempre presentes. É dia de no caminho procurar novos sentidos para o que está rabiscado ali nos velhos sobrados da Gamboa: “Vento / Vem me trazer / Boas novas”.

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Não chega a ser uma conexão

As manobras que a gente precisa fazer às vezes para não apertar a mão de alguém, né? Mesmo que às vezes nem haja nesta escolha tanta certeza. O cara pode ficar perdido entre aqueles dois caminhos: um que a placa descreve como certa a opção de tocar outrem. Um segundo, uma outra placa, ali, bem do lado, que avisa sobre o risco do que será absorvido mesmo que o toque seja acidental. É muita coisa para a gente decidir, o tempo todo.

O que faz uma pessoa colar um adesivo num banheiro público? O que faz alguém remover de um banheiro um sticker que estava lá, muito de bobeira mas com o compromisso, talvez, de animar mijões e mijonas das mais diversas origens. É mais fácil a gente perdoar quem coloca ou quem tira? Perdoar é fácil? O que é o perdão? Gente que cola pedaços de papel ou plástico por aí não deve estar preocupada com o perdão de ninguém. É intrigante tentar achar motivos que fazem alguém colar um troço numa caixa de metal que fica bem no alto de um poste. Mijões e mijonas não devem se divertir com aquilo porque fica muito no alto.

A falta que pode fazer, veja só, não só um adesivo mas, também, o contato com o pessoal que te vende aquele café especial. Um pacote se esvaziando pode ser o gatilho para alguém pensar na relação que se forma, depois de alguns anos, entre duas pessoas, mesmo que os encontros se limitem a dar-o-dinheiro-pegar-o-pó. Às vezes, dá para subverter o protocolo. Como quando a entregadora, em pé num balcão de bar onde marcou o encontro com o cliente, fala sobre uma cerveja escura que está vendo na geladeira e que a faz lembrar-se de uma irmã mais velha. Um rolé que começa com uma promessa de pó de café pode render uma cerveja, uma descoberta, uma história de família. Sem esquecer de olhar a porcaria do Instagram, que ninguém é de ferro.

Um aviso que chega muito em cima da hora, no laço, e por isso — mais do que matar uma vontade — faz a gente querer ainda mais alguma coisa. Uma ampulheta em que a areia escorre tão rapidamente que o observador pode chegar a visualizar, na parte inferior, uma espécie de aspirador de pó. Não de pó de café. De pó rosado, que é a cor da areia que passa pela cabeça no escriba, no momento em que a frase é montada. Areia cor-de-rosa, ampulheta com duração de seis minutos. Meia dúzia de minutos. Meia dúzia de frustrações, de encontros que não se confirmam. Porque o tempo é curto. De quanto tempo a gente precisa para tomar um café? Quando você fala “Vamos tomar um café?”, está pensando em quanto tempo?

O moleque pede água. Não se bebe adesivo. Ainda. Do lado de dentro do balcão, o atendente do bar finge não perceber a mão que estava esticada, buscando um aperto, uma saudação. Ao menos, rolou a água. Uma sede chegou ao fim. Para bom amarelador, meio sorriso amarelo basta.  Para bom corredor, meio café basta. Para quem está atrasado, meia corrida não resolve. Para quem entende a mão e não recebe uma mão de volta, um copo d’água pode virar um balde de água fria. Em dias de chuva, a água fica ainda mais gelada. Em cada curva, um adesivo que a gente não esperava.

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Chocolate para todes

“De doce, basta a vida.” Estava aí uma provocação com a qual havia se acostumado. Pensava frequentemente no que motivava e tornava tão recorrente aquela zoação. E — sempre! — antes de concluir qualquer coisa, estava abrindo um novo tablete de chocolate com pelo menos 65% de cacau. Tinha que ser com mais de 65% de cacau. Eram constantes, as idas ao mercado, em busca daquelas belezinhas. Ria com a satisfação de quem não precisa de muito trabalho para livrar-se de uma chacota. Depois, ria por ter esquecido de trazer arroz e batatas. Em seguida, ria ao olhar para os chocolates. Sim, de doce, bastava a vida. De amargos, os chocolates.

Revisitava momentos, através de sabores. Era percorrendo estes mesmos caminhos que entendia/tolerava posicionamentos políticos, as declarações da diarista e do tio militar.Talvez pudesse considerar-se um doce. E, como se fosse pouco, experimentava emoções às vezes contraditórias. Sentia-se assim capaz de viajar no tempo e no espaço. Um parágrafo, quer dizer, um minuto depois, sentia o flerte do esgotamento, e aí para refrescar a cabeça duas possibilidades se apresentavam: algum artista espanhol pop e obscuro, como se fosse possível ser as duas coisas ao mesmo tempo, ou, o que era mais confortável, um pouco de Tchaikovsky.

Arriscou levar uma criança da família ao cinema para assistir ao “Wonka”. Férias pedem isso, afinal. Não queria admitir que o tema do filme havia exercido forte atração. Chorou junto com provavelmente 90% da sala escura quando o protagonista sentenciou que o segredo de uma barrinha de sucesso não é o que há na lista de ingredientes e, sim, as pessoas com quem a gente compartilha aquilo.

Enquanto disfarçava lágrimas, Solar e Ascendente trouxeram à pauta uma campanha que talvez acabasse com o império das pipocas nos espaços de exibição de filmes. Era do tipo que elabora muita coisa ao mesmo tempo. Desistiu logo porque os chocolates estava bem, obrigado, não precisavam de campanha nenhuma. E nem dava tempo de levar aquilo adiante porque os frilas da semana tinham sido tantos que haviam posto em xeque a aula de desenho. Uma aula importante, em que estava estudando perspectiva com um Toblerone.

Um intervalo, um gole de água. Porque todos precisam de intervalos. Um rolé numa noite de sábado. Umas batatinhas fritas aqui, uns pastéis de camarão com catupiry ali. Mais água. A melhor coisa para quem vai ter que dirigir. Um passeio que se estende precisa incluir no planejamento uma passagem pelo mercado 24h, porque é lá que se pode encontrar… chocolate. Se não for assim, não tem (tanta) graça.

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Brain Reward System

Pra algumas coisas, não encontrava palavras. Pra certas palavras, o problema era achar coisas, isto é, ouvintes. Via peças de xadrez, do nada, e pensava em jogadas. Adorava ficar à toa. Na praça, observou um casal que já havia enquadrado, num bar da vizinhança: gestos rápidos, promessas e provocações em voz alta, historinhas mirando quem estava em volta. Mal conseguiam dar bicadas nos dois latões de cerveja que, horas antes, talvez estivessem gelados. Sorrisos amarelos, na madrugada. Talvez por esse motivo, pelo adiantado da hora, estivessem ali. Os bares no Rio hoje em dia fecham cedo. Com concentração, como num jogo de tabuleiro, qualquer um podia pescar o que conversavam aqueles dois. Alternavam climas de velório e festa. “Tem um motel, aqui perto”, disse ela. “Prefiro não comer fritura”, respondeu o mané, como que dando continuidade ao assunto anterior, que passava pelos salgadinhos da época em que eram crianças — quando coxinhas, pastéis e empadinhas tinham outra “moral”. Depois de quase rir, o que seria arriscado, o observador achou por bem desistir da tocaia.

Se estivessem numa mesa de madeira, dessas povoadas por guardanapos, palitinhos, sachês de sal e às vezes garrafinhas de azeite, seria a hora de o homem e a mulher pedirem a conta. Costumavam dizer, nestas ocasiões: “Estamos atrasados, moço, pode por favor fechar pra gente?”. O observador condenou-se por não ser capaz, de imediato, de abandonar a cena; porque conhecia de vista a dupla-alvo. Era na verdade um momento de dúvida. Para geral. O espectador não conseguia vazar. E os dois pareciam não saber bem se continuavam na “brincadeira” que, pelas alianças, era coisa “séria”. Era um encontro que parecia traduzir uma crise.

O homem, bem bêbado, fez sinal com a mão pedindo que a mulher aguardasse. Pegou no bolso da calça um papel amassado: “Vamos conferir. Ver se está tudo certo. Eu pago 25. E o que faltar vocês dividem por dois.” Mandou essa e dirigiu o olhar para o observador, num gesto que poderia ser tomado como o de um tonto que não sabe o que está fazendo ou, o que seria surpreendente, de um marido que sabe sim o que está fazendo. O vigilante, na sua pira enxadrista, preferiu não calcular o próximo lance. Levantou-se da muretinha, num pulo, e se afastou dali. A mulher soluçou e levou a mão, em formato de concha, até a boca. Soluçou, de novo, antes de responder: “Melhor dividir logo por quatro. Assim, fica tode munde satisfeite”, disse, zoando com a onda da neutralidade no vocabulário, tão em alta nos botecos frequentados por eles.

O sujeito por algum motivo desandou a falar que as pessoas não se satisfazem dividindo contas no valor correto. Exagerou, na sequência: “Brain Reward System. Bi… ar… ess… Satisfação é outra coisa. Satisfação é quando você encontra água…” Ela se zangou, como sempre se zangava, nos momentos em que o cara tirava aquela onda de professor: “É sábado, porra! Quase domingo…” Depois de uns instantes de silêncios, foram salvos pelo barulho que poderia ser de uma coruja. “Olha o passarinho”, disse ele, soluçando e fazendo com a mão um formato de concha, do mesmo jeito que ela mostrara. Devia ser uma tradição de família. “Você devia esperar para dizer isso quando a gente chegasse ao motel. Eu sei que aqui somos quatro, o público para a piada é maior. Mas você precisa aprender a esperar.” Ela podia estar se vingando do momento-aula sobre Brain Reward System.

Chamava a atenção, o figurino dos dois: muitas peças brancas. Oxalá talvez pudesse explicar aquilo. O vestido dela era justo e estava surpreendentemente limpo para alguém que tropeçava tanto nas palavras. Menos caprichoso, o mané usava uma camiseta meio amassada e amarelada na altura dos sovacos. Cada um tinha uma pequena mochila e levavam, também, sacolas de mercado. Quando saiu do ambiente, instantes antes, o observador havia olhado para aquelas bolsas largadas displicentemente e pensou, quase falando, em voz baixinha: “Tomara que não tenha nada que precise de geladeira…”