Não é sempre que hospitais grandes dão grandes sustos. Quer dizer, os sustos que você pode experimentar num lugar cheio de gente com roupa branca não depende do tamanho do lugar. Depende mais das pessoas. E hoje elas nem sempre estão todas vestidas com roupas da mesma cor. Casas de saúde podem parecer supermercados. Passe cinco horas numa e entenda. Você se pega sorrindo e se pergunta na sequência se pega bem ficar fazendo isso num lugar como aquele, ainda mais numa área de atendimento de emergência. Primeira pergunta: em mercados, é mesmo mais fácil manter a cara fechada? Talvez, depois do resultado de algum exame, também seja mais tranquilo/possível fazer isso. Notícias boas nos arrancam risos. Gargalhadas, às vezes. Mas, pô, mostrar os dentes num lugar daqueles, antes até de passar pela triagem em que verificam a pressão, pode parecer exagero. Ou loucura mesmo. Dependendo do filme, podem apontar na sua direção, no corredor, dizendo que você está no hospital errado.
Ok. Vieram tirar sangue, pediram que enchessem o potinho de urina. Diante da informação de que os resultados viriam em uma hora e meia, restava esperar chamarem para a ultra-sonografia abdominal. Musiquinhas/alarmes de celular ficam muito piores, em salas de espera onde há gente com dor. Bem piores do que sorrisos. Se bem que, sabe, parece haver uma mobilização auditiva em torno de alguém que atende a uma ligação. Gente curiosa… não seria ali que encontrariam a cura para isso. Falavam em uma hora e meia, aí, em cima? Tempo mais do que suficiente para muitos alarmes de celular e, claro, para pensar em muita, muita bobagem.
Na era do ódio (à qual salas de espera de hospitais não estão imunes), sorrisos podem ser mais arriscados se há um tiozinho gigante e careca com cara de hooligan, ali, encostado na parede. Sorrisos vão, sorrisos vêm, desconversas vão, desconversas vêm, ouvidos espichados vão, ouvidos espichados vêm e você pode ficar aliviado e quem sabe sorrir mais à vontade ao descobrir que o gladiador trabalha na recepção do hospital. Ah, claro, tinha sido possível vê-lo, antes, mais cedo, testemunhando que a comida naquele dia estava boa. Mora em Bonsucesso, ele diz, interagindo com a moça que cuida de aplicar analgésicos em quem chega com etiqueta amarela. Ela também tira sangue para exames, mas, aí, parece que não precisa de etiqueta nenhuma, só mesmo três formulários preenchidos corretamente e carimbados. Neste mundo de celulares, ainda há carimbos, vejam só. Às vezes, nos vemos diante de um tiozinho. Outras, de um gladiador. Um tiozinho-gladiador, por tanto, ou TG. O TG dá detalhes sobre a rua em que fica sua casa, diz que lá não tem muito assalto. A última frase antes de ele desaparecer faz a gente entender a expressão que não dava trégua: dor nas coluna.
Mas vamos às bobagens: não é uma disputa, mas… só há uma pessoa, na sala, com caderninho e caneta. Todas as outras estão com celular. Deve ser uma médica, a mulher que passou com calça cor-de-rosa. Apareceu, primeiro, com uma blusinha branca. Depois, de jaleco, o que lhe emprestava um ar mais sério. E de poder. Tinha uma postura diferente daquela da moça que obtivera a informação do hooligan sobre a segurança pública no bairro de Bonsucesso. A mulher de calça cor-de-rosa não sossega na sala. Às vezes, passa de máscara. Outras, sem; como quando andou de blusinha branca. Corredores, mesmo os de enfermarias, podem ser verdadeiras “passarelas”. Num dos desfiles, ela falava no celular e demonstrava preocupação: “Isso não é possível!” Nos olhos de quem estava em volta, via-se a mesma expressão de espanto e curiosidade que já havia aparecido, antes, nas pessoas que mergulhavam no aparelhinho mágico.
Hm. Uma paciente nova, ali, noutro corredor. Ruiva. Vermelho. Sangue! Teria sido prudente — ou chato? — ligar o cronômetro, quando a moça do sangue falou sobre o prazo para entrega do resultado do exame? A moça do sangue. É uma maneira estranha de fazer referência a alguém. Claro que depende do lugar de fala. O bom e velho lugar de fala, né? Na fila de atendimento da emergência, o senhor Lugar de Fala parecia ter ficado para trás em relação à dona Linguagem Neutra (era dela a etiqueta amarela). Esse papo de lugar de fala cabe aqui? Hospital é mais lugar de sangue mesmo. Deve ter gente incomodada com a classificação doutora-de-calça-cor-de-rosa. E não há tratamento para isso. Aliás, ela estava demorando a aparecer de novo. Será que todos os dias circula por ali?
Bobagens mais sérias pediram passagem. O que uma personagem como Lois Lane tem para aparecer nas fantasiosas elaborações de um paciente que aguarda notícias numa emergência de hospital? Lois Lane parecia o jeito de falar, dá licença? Difícil decidir o que fazer com ela, porque ninguém quer arrumar confusão com um homem de aço. Se a gente pipoca diante de um hooligan, imagina frente a um sujeito que veio de Krypton… A iminência de um julgamento final pode fazer a gente abandonar qualquer caderninho e correr para o smart phone. Cada um foge como pode. Numa tarde hospitalar, pra certos sujeitos, um esconderijo pode ser feito por exemplo de papel e caneta.