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Colagem / Pregação

Pode parecer bobagem, uma enxurrada de letras, num documento qualquer. Ou uma overdose de tretas. Segurança que é bom… necas! Primeiro, tem que se amar. A vida não é um mar de rosas? Ok. Mas pode ser uma cachoeirazinha, hein!? O tempo inteiro, você ali, gritando, quando de repente percebe que está sendo usado e nada mais. Nada mais. Nada mais.

Será que é aquela, a Rainha De Ouros? O Rei não precisa ser De Paus. Mãe que quer ver o filho sofrendo, tá louca. O galo canta todo dia. É bom parar pra pensar porque… …não passa de caô aquele caô de que “Não quero saber se o pato é macho, eu quero é ovo!” Pode ser que exista um caminho para quem ama. Tá difícil de enxergar? Levanta a cabeça, pô.

Assim ou assado? Pastar ou finalmente fugir do passado? Ninguém é melhor do que ninguém? Há verdades que podem ser ditas de maneira carinhosa. Para isso, é preciso fugir da repressão. Não queira agradar outrem. Os amiguinhos da escola, a família? Seja você. Fiquem com Deus.

Pode ser que aquela leitura tão recomendada não faça qualquer sentido. Ainda mais que sugerir que alguém leia qualquer coisa, hoje em dia, é sugerir murro em ponta de faca. Quer dizer, você pode falar com uma mula que esteja disposta a te ouvir. Mas quantas mulas você conhece? Muitas? Poucas? É difícil escolher o alvo. E conselho, se fosse bom…

Que silêncio, hein!? O vizinho faz bobagem, você aponta e ainda tem que lidar com caras feias. Assim mesmo, no plural, porque idiotas parecem cada vez mais capazes de influir/influenciar na vizinhança. Na cidade. No mundo. Tristeza profunda é um negócio que pode atingir qualquer um. Vizinhos idiotas, também. Quanta gente dormindo na rua, caramba.

Pode ser que tenha uma pessoa querendo falar com você. Mas focar na “tua” não vai atrapalhar em nada. Manter os ouvidos abertos, da mesma forma, dificilmente vai ser um problema. Se tem uma coisa nova no horizonte, dê uma moral, porque além do horizonte existe um lugar bonito e tranquilo pra quem quer mamar. Quantos anos mesmo você tem, hein!?

Compreender a si mesmo é o grande perrengue. Controlar o consumo de milk shake, em certas tribos, não é coisa que tire o sono de ninguém. Calor? Um mergulho resolve. Dor? Hora de perdoar a indústria farmacêutica, mas pode fazer isso sem anunciar no jornal? Ah, sim, jornal é uma coisa que praticamente não existe mais. Dois caras aqui da praça quem fazer isso, tipo brincar com o que não existe mais.

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Viu essa parada com o Iggy Pop?

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Magnéticas

Tinha 13 anos e quando percebeu que acreditava que seguir as pessoas certas pod(er)ia “dar dinheiro, um dia”, no Grande Jogo. Estava com a razão. Aos 31, tinha um carro que era o mais caro da vizinhança. E era uma vizinhança fresca, vale dizer, não a região miserável onde havia passado a infância e a adolescência de cara para o computador, aquele único grande luxo a que tivera certo acesso. Estava satisfeito por conseguir seguir as pessoas certas. Sentia aquilo como um dom. Dom dom mesmo, não dom de domingo.

Começaram a inventar um monte de coisa. Cada coisa… Precisavam criar, inventar. Era o jeito. Jeito de quê? De fazer o cascalho circular. Assim, rolou de os engravatados — porque estávamos numa nação de pessoas apaixonadas por gravatas e engravatados — criarem/flexibilizarem regras que transformariam milhões de seguidores em milhões de pingadores-contribuintes. Começar a seguir alguém na hora certa podia fazer de um adolescente de Rox Mix um playba com bala n’agulha.

Havia quem acreditasse que aquilo era uma nova onda de Young Urban Professionals, que outrora haviam sido enquadrados como Yuppies. Ums cusparada para o alto. O pombo que nasceu para acabar com a alegria do bancário na hora do almoço. Tem “Yupicide” escrito num encarte qualquer de uma banda californiana de punk rock. E aí o moleque percebeu que tinha um “talento” para ir atrás de, sei lá, rappers que um dia se transformariam em sucessos-fenômenos de massa. E modelos. E jogadores de futebol. Imagina ser o “dono” de cadeiras na primeira fila de estádios virtuais. Estava nos filmes de antigamente: lugares em estádios são bens preciosos.

Chegaram ao cúmulo de vender posições. Quanto cascalho rolando. Vender posições? É, vender posições. Se você é o centésimo mané, digo, investidor-cidadão a clicar naquele botão, pode ser que, dali a algum tempo, quando outras 37 milhões de pessoas tiverem feito o mesmo, aquela posição no ranking valha algum cascalho. Porque vira ranking. É como pagar mais para ter um bom lugar no estádio em que aquela celebridade vai aparecer. Quase isso mesmo.

Andava pensando em alianças. Carregava na cabeça a frase que havia lido, fazendo alusão às posses de um jogador de futebol. “O cara carrega um apartamento nos dedos.” “Que dinheirinho bom, hein, hein?” Joias. Queria ter joias. Tinha seguidores. Seguia e era seguido. Na “humildade”. Estava no caminho certo. Joinhas.

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Sol-sol-mesmo

Estava escuro, quando ela tirou da bolsa aquele pequeno objeto. Parecia uma aliança. Vinha alguma coisa escrita, ali no miolo: dois nomes. Palavras que a gente teria lido com muito mais facilidade se naquele instante houvesse sol. Quer dizer, tinha sol. Mas a gente aqui está falando do sol-sol-mesmo e não da luz e do calor super-intensos que uma pessoa é capaz — mesmo durante o sono — de soltar ao longo da madrugada. Depois de fazer as contas, porque além de palavras o negócio trazia também números, havia um resultado: 25. Isso, 25 era a resposta. Todo mundo ali precisava de uma resposta, não dava para esperar pelo sol-sol-mesmo, que demoraria ainda um pouco para aparecer.

Estavam mais uma vez mergulhados na madrugada, quando mesmo com a voz baixinha a gente é às vezes capaz de gritar/rezar por explicações, quer dizer, respostas. Ou sol-sol-mesmo. Na madrugada, sussurros são como gritos para dentro. Como gargalhadas desentupidoras. Palavrinhas ácidas que vão corroendo os canos; às vezes, dando à carcaça uma chance de reviver movimentos que há muito andavam esquecidos. Depois de experimentar isso, você pode ter certeza de que os minutos que precedem a alvorada são os melhores para os bons desentupimentos. Desobstruções que se tornarão inesquecíveis. Há quem diga que novas vidas nascem sempre neste período do dia.

Com o resultado decorado, o que não foi difícil de conseguir, mesmo um pouco bêbados, tinham dado o primeiro passo sugerido no mapa. Havia um mapa. Ela o tinha tirado da bolsa logo depois de mostrar a ele a aliança. Houve também um minifestival de piadas. Porque ela acreditava ser impossível mostrar uma aliança a um homem sem fazer alguma graça, sem desconversar, sem embaralhar expressões, sem deixar pelo menos por um momento o interlocutor confuso, quase perdido, duvidando da sua capacidade de entendimento.

Ainda havia alguma coisa, na garrafa. Já não estava gelado, como antes. Mas era alguma coisa. Serviu bem. Empurrou, por uns bons instantes, bem pra frente, qualquer coisa que pudesse parecer uma sentença. Sentiram de perto a respiração um do outro. De olhos fechados, viram olhos fechados. De olhos abertos, viram algo que não conseguiam entender. Iam mais fundo. Suavam, mesmo na reta do ventilador. De vez em quando, rapidamente, fugiam dali, e se perguntavam por exemplo por que o ventilador não dava conta das coisas. Mas voltavam logo, porque o suor não era um problema.

“O que a gente faz com o 25?” “E agora, a gente tem o 25?” Não foi exatamente a mesma frase, mas quase… Ela sabia a resposta, porque tinha o mapa. Mapa é o jeito de dizer, pra parecer aquela coisa de caça ao tesouro. Estava mais para manual de instruções. A resposta dela veio antes que ele tivesse chance de insistir no questionamento. Ele tinha esse problema do questionamento, coisa que deixava a menina irritada. “Vamos ver o que está escrito na linha 25”, orientou, experimentando em seguida uma leve irritação diante daquilo que considerou ser uma expressão de desgosto dele. O homem se explicou, o quanto antes: “Cara… Olha essa letrinha, parece que é ainda menor do que a da aliança. Como a gente vai conseguir ler o que está escrito aí?” Foi quando o sol-sol-mesmo nasceu.

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Bronzeado, o sonho

Aquela coisa do Verão. Quem vai ver? Todos verão? Mais do que aquilo que se mostra, faz diferença a “cor” em que as pessoas em volta acreditam, o brilho que veem/percebem. Tanto quanto umas boas horas sob o sol, vale escolher a maneira “certa” de se posicionar. Mais do que investir num tomara-que-caia, escolher a blusa certa com alcinhas bem finas. Assim no diminutivo mesmo. Sempre lembrando de rezar por uma estação que não seja de muquiranas enchendo a paciência de quem quer descarregar pisando sem chinelos na areia. Ah, a areia… nunca fica bronzeada, resiste aos raios. Raios, raios, raios triplos, nas imortais palavras do Dick Vigarista; porque vilão bom é o que perde sempre.

Quando não há necessidade de esclarecer nada, quando o desfecho está ali plantado e basta esperar o negócio crescer. Paciência, paciência. Mesmo se chover. A julgar pelos sorrisos de quem passa, a construção de uma consciência de calor. Quando a gente pode acreditar na Justiça e sabe que não precisa pressa. Pode haver precisão na pressa? E, ao mirar numa necessidade, o que se acerta são todas as arestas que fazem o perrengue ser perrengue e de repente — Bum! — fica tudo certo, tudo bem, tudo certo, tudo bem, tudo certo. O Verão pode não ser certo, mas o bronzeamento é.

Aquele cheiro de manifestação, aquela entrega livre de conflitos. Uma determinação descontraída e sorridente. Dois paus e a cobra livre, sugerindo ali a criação duma nova perspectiva do que são os direitos dos animais. Animais de esquerda. Animais de centro. Animais de direita. Pássaros com bicos que destroem gaiolas. Ratos e gatos trocando ideias, certos de que a cachorrada é indispensável e estará no time, em muito pouco tempo. Quem nunca sentiu vontade de latir, de uivar, diante de um fogaréu?

A pessoa e o próprio umbigo se entendendo como se fossem uma pessoa e o próprio umbigo. Aproveitando as doações que vieram com o melhor Axé, sem medo de dividir aquele segredo com quem quer que seja — porque não precisa mais ser segredo. Dinheiro pra pagar chope pra quem está sem. Todas as paçocas que a criança está vendendo, porque aquela é a última rodada dela neste tipo de empreitada, não a última da noite, mas a última-última-mesmo. Que pele, que pele, gente.

A música lá longe, a noite toda. A espuma na taça. O desejo vestido de monge. Uma série inteira precedendo o desmonte, alguém que não se esconde. O medo de parar. O horror diante do empate. A vitória que é pra ser geral. A gentileza ímpar, sorridente mas despretensiosa, convidando para mais um gole. O fogo. A faca. O porre. Bronzeada, a pele fica mais sensível. E nobre.

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Esperança

Dedo Mindinho, Seu Vizinho, Maior De Todos, Fura-Bolos, Mata-Piolhos. Continue cantando: “Cadê o docinho que tava aqui?” Agora, sério: se forem procurar um “culpado” diferente, em vez de deixar o Gato ir atrás do Rato, como sempre foi feito… a coisa pode ficar ruim para o Seu Vizinho! Pode apostar. Porque é um dedo aparentemente sem moral nenhuma. SV, coitado, parece que dá no máximo a sorte de ser confundido com SUV, que é aquele carro do playba que tem muito para gastar em seguro e gasolina. A ladainha pode piorar se estivermos falando do pessoal do andar de baixo: neste caso, os dedos do pé.

Será mesmo? Abaixo o coitadismo (esta palavra tão da moda). Dá para dizer que, assim como o classe-mediano motorizado vive de ilusões, o Seu Vizinho Do Pé circula bem menos coberto por esparadrapos do que o Mindinho. A comprovação estava no testemunho de um mané que, outro dia, num boteco, de Havaianas, exibia o menorzinho todo coberto por uma fôrma/armadura branca. “Foi o Magnetismo: o Mindinho sempre atrai a quina do armário ou a porta. Acontece demais”, repetia, com cara de quem ao caminhar experimentava ainda alguma dor.

“Fura Bolo” já foi até nome de picolé, lembra? Da (boa e velha) Gelato. Mas o SV, discreto, consegue significativo destaque, quase holofotes, nos encontros do pessoal grati-luz-descolado. Quando a terapeuta invariavelmente começa com aquela história de “levar ‘vida’ a partes do corpo que estão esquecidas”, ele, o Seu Vizinho Do Pé, leva tanta massagem e estímulos/carinhos quanto um irmão mais famoso (o Mindinho) e muito mais do que outro mano superpop (o Dedão). Sim, é com massagem e mimo que (quase-)místicos dão vida a partes do corpo que sofrem por conta do esquecimento. O cérebro pode mesmo ser um vacilão, né? A família de dedos comprova.

Pode haver quem aponte que o Seu Vizinho Do Pé na verdade dá mole por ser um dedo que mergulhou na timidez. Aquela história de o Sol brilhar para todos, manja? Vai saber… Outro ponto é que, se, por um lado, ele, o  SVDP, não tem tamanho de caçula, lugar/posto que pode garantir muitos privilégios vindos dos pais, também não fica sob o jugo de todos os outros irmãos. A gente sabe que irmão mais velho pode ser o cão, né? Esses dias mesmo alguém tava falando que numa família do Méier os três mais velhos obrigavam a mais jovenzinha a comer minhoca. Isso antes de a TV exibir “Jackass”.

Tudo bem que na hora de um footworship a chupação/adoração fique mais para outrem. Se há um dedo poeta, um “sofredor” capaz de emergir do sofrimento e revelar-se um habilidoso intelectual ganhador de prêmios, é sem dúvida o SV. Do pé ou da mão. Porque fora das historinhas já convencionais e infantis, como a famosa musiquinha cantada no início desta prosa, sobra a disposição/paciência, verdadeiramente uma necessidade de observar o mundo e com isso construir uma fábula diferente. (Que alguém entenda.)

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Meio miau

Existe o “caminho do meio”. E existe o “meio de uma crônica”. Você sente/percebe que está no meio de uma crônica quando, no carro em que te ofereceram uma bela carona, o motorista teve o cuidado de borrifar com álcool os pontos das portas em que os passageiros põem com frequência as mãos. Mais ainda: quando ele, o condutor, está todo esticadinho — o banco com o encosto num ângulo que deve ser de 90 graus e… O que chama mais a atenção: sai das caixas de som uma música que te leva para outra época. Uma melodia que sugere um filme de humor-verdade e, também, te convida a congelar, ali mesmo, antes da próxima curva, essa vidinha besta e veloz em que a gente uma vez por ano apaga velinhas.

A iluminação não passa necessariamente por saber pra quem vai o primeiro pedaço de bolo. Porque nem sempre tem guloseima e os esfomeados que desde a adolescência conhecemos precisam(os) engolir é esta (sensação de) “falta”. E que ninguém reclame, porque tampouco pros festivos cachaceiros que mais recentemente se agregaram deverá haver qualquer mimo. Na reta final de uma curta e cinematográfica viagem de carro, antes de descer do veículo fica o lamento pelo afastamento da tão sonhada companhia.

Lá vai ela. Após, restará a cada-vez-mais-velha-conhecida solitude, e é como se um segundo parágrafo se fechasse. Mas estamos falando apenas de um segundo parágrafo, não de um segundo capítulo. E é a hora de você rir de novo por ter que em meio à pandemia cortar um dobrado para explicar aos amigos que não, não vai ter comemoração porque aumenta a preguiça de fazer isso, numa época como esta.

Alguns passos depois, a confirmação. Pode ser um dia de muitas surpresas, este. E isso vai construir não apenas uma crônica mas, quem sabe, revelará palpites para apostar numa loteria, ensinamentos que te afastarão definitivamente do clube dos velhos babões e insensíveis que acham que podem tudo porque… porque podem pagar, porque vêm de circuitos em que sempre, desde sempre, tudo foi permitido. Desde é claro que você tenha aquele sangue ali. Quando uma crônica se mostra já em andamento, ela está te dando a chance de no mínimo melhorar as coisas. Agradeça por isso.

No aprendizado, nem sempre há conforto. Há dúvida, às vezes. Há testes que talvez ainda precisem ser feitos. E há novas dúvidas, escoradas por velhos medos e lembranças doces como a que vai ficar de uma carona acidental e acertadamente aceita. Você percebe que está no meio de uma crônica quando sente que, dali a dez anos, vai lembrar daquele momento e estará tomando por sentimentos doces e muito familiares. Inexplicáveis, doces e familiares. Você sente o miolo da história ao tentar fazer uma lista de desejos que inclui uma chance de gravar aquilo, de perpetuar alguma coisa mesmo que não saiba bem do que está falando.

“Você está triste?” “Como assim, precisa escrever?” Dependendo de onde vem a pergunta, dependendo do flow para a elaboração de boas respostas… Bem, a coisa pode sempre empacar, né? Na moral: é pandemia, pô! Tudo que você precisa é de uma taça fininha cheia de vinho e uma caneta com tinta bem preta para escrever “saudade”. Aí, é seguir em frente e esperar por uma nova folha. Que poderá não estar em branco.

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Cabe a você, playboy

Agora, foi o Noam Chomsky, do alto dos seus mais de 90 anos, ali numa daquelas redes sociais falando das transformações, pequenas que sejam, que a gente pode fazer no cotidiano. Será que é aquela história de cotidianizar a revolução? Se o Chomsky está falando, é o caso de parar e ouvir pelo menos um pouco. É engraçado ver propostas/sugestões, digamos, mais radicalmente transformadoras, partindo de uma galera mais cascuda, quer dizer, experiente. A juventude parece que só pensa mesmo no oba-oba. “Pensa” é ótimo, né? Não que os mais cascudos de um modo geral tenham muita moral para dizer que são pensadores mais ativos e preparados.

Mas, sim, aqui nesta bolha há a impressão de que atualmente podemos esbarrar com mais gente “madura” defendendo essa história de que geral no fim das contas vai dar uma “boa repensada”. Quando será que chega o “fim das contas”? Repensada, para os mais pessimistas, pode não passar de uma nova fórmula para anúncios de margarina. No fim das contas, seja em que bolha for e seja quando for, é garantia de veia entupida, qualidade de vida piorando mas… com aquele sorriso maneiro de quem consegue consumir o que DEVE ser consumido. É a pandemia das dívidas, esta.

A margarina é uma das coisas que estão custando mais caro, né? Para resolver isso, tem o homem que ensina no YouTube como fazer para ficar rico. Ele esses dias deu uma esculachada nos bancos, no esquema de juros, e seguindo sua doutrina de “como conquistar a liberdade”, bateu nas mesmas teclas de sempre. Não falou da margarina, mas isso deve ser com o pessoal que fala de saúde. Espirrou? Tava com a máscara, vacilão? Isso, a crônica hoje é quase um rap.

Ainda não dá para dizer que se trata de um momento de revisão dos padrões, mas, estes dias, num grupo de WApp, um sujeito beirando meio século de vida consultou seus “amigos” sobre um “empreendimento”. Está querendo abrir uma banca de jornal, no Rio. O silêncio imperou. Houve quem sugerisse um tiro na cabeça. Isso, sim, vai ser mais fácil, agora, com o fim das taxas para quem quer importar revólveres e pistolas. Quem quer ser rico precisa mesmo de muitas e boas informações. E talvez precise saber a diferença entre um e outro tipo de arma, nem que seja para fazer a coisa “certa” depois de um empreendimento errado.

Basta um parágrafo falando em armas para que a coisa toda pareça contaminada por um cheiro ruim. Como nessa história tem margarina, que também não é a parada mais legal do mundo, tá difícil encontrar uma boa saída para terminar a falação. Como o rap sugere muitos lances sem explicar, cabe a você, playboy, decidir o que fazer com a margarina e o trabuco. Lembrando que no dos outros é refresco e aí não vale.

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Jantar mais cedo

Via-se circular hoje na rede mundial de computadores uma informação, que, parece, era fruto de uma pesquisa: nos States durante a pandemia mais de 75% dos consumidores mudaram hábitos de compra. O ianque médio abandonou marcas com as quais estava acostumado e passou a escolher outras, novas. É o Covid-19 regando o sonho americano, alimentando velhas fortunas e sinalizando com a aparição de outras novas. Por aqui, sem que se tenha feito qualquer estudo, pode-se dizer que os hábitos de consumo/sobrevivência também estão passando por alterações. Agora, ver dinheiro entrando faz o cara pular de alegria. É o que se pode concluir a partir do comportamento do jovem Vinícius, cidadão em situação de rua, conhecido ali no Largo do Machado. No início da noite de ontem, depois de receber de um “tiozinho” uma nota de 20, ele comemorou jogando repetidas vezes o dinheiro para o alto. Foi a primeira vez que ele foi visto fazendo isso. Ia jantar antes das 23h; diferentemente do que vinha acontecendo, nas últimas semanas.

Quase chegou a juntar gente para ver a comemoração, pois parecia uma apresentação. A primeira vez que soltou no ar a nota, não se ouviu nenhuma gargalhada mas depois sim. Os olhos arregalados acompanhavam o papel descendo em direção a um canteiro de plantas. Era como se ele quisesse ter certeza de que aquele troço era mesmo uma nota de 20. Não que desconfiasse do “tiozinho”. Botava muita fé naquele colaborador. Tinha até se acostumado a chamá-lo de “General” e não de “tio” ou de “paizão”, como era mais comum fazer. Não era a primeira vez que o General dava uma moral para o Vinicius. Mas fazia algum tempo que isso não acontecia. A julgar pela comemoração do rapaz, não devem ser muitos ali na região os doadores com esta “patente”. Vinicius deve estar mais acostumado com as quantias praticadas por soldados, cabos. No máximo, sargentos. É mesmo “normal” que haja mais soldados do que generais, né?

O General chegou a se incomodar com este apelido. Porque não é muito chegado nessa coisa de militar. Pensou um pouco, e rapidamente, para logo concluir que aquela palavra nascia como um elogio e estabelecia uma relação entre ele e o jovem que não se acostumou a ver largado pelas calçadas. Havia uma sisudez no olhar daquele homem e era quase como se fosse natural que ele ganhasse como apelido “General” em vez de — quem sabe… — simplesmente “G”.

A segunda vez que Vinicius jogou para cima a nota, depois de resgatá-la no meio das plantas ressecadas, tratou de amassá-la um pouco mais. Sem chegar a fazer uma bola, mas garantindo que a queda seria mais rápida e menos influenciada pelo vento. Enquanto observava, já um pouco de longe, a festa do soldado, General prestou atenção a este detalhe e pensou: “O moleque não tá de bobeira…” Quando a nota foi arremessada uma terceira vez, os que ensaiaram uma parada para assistir à apresentação perceberam que não era um espetáculo, aquilo, e que deveriam deixar a passagem livre. Da lanchonete em frente, o gerente percebeu que Vinicius tinha dado mole, perdendo a chance de multiplicar aquele cascalho. “Se tivesse jogado a nota mais vezes, os malucos iam achar que era um show… Aí, era só colocar um chapeuzinho e esperar pingar uma moeda…”

O General ouviu o comentário do sujeito da lanchonete e ficou se perguntando se as pessoas tinham conseguido sacar que aquilo era uma nota de 20. Depois, avançou e tentou prever se, no caso de o Vinicius transformar a brincadeira em espetáculo, se as pessoas reagiriam mais entusiasmadamente a uma nota de 50 ou 100. Não cogitou a de 200. Pensou em investir neste “projeto”. Mas logo desistiu. Também queria jantar mais cedo, naquela noite.

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Em nome de Lynch e Maradona: amém

Se tem uma grande sacanagem que o PPP fez foi emporcalhar o “conceito” de oração. PPP, você sabe, é o Projeto Pentecostal de Poder. Letras bastante razoáveis, estas, né: não sustentam nenhum palavrão e deixam bem claro o que há por trás (e pela frente, e de ladinho) daquela Igreja. Igreja contra Igreja é uma equação que soa beeem velha. Mas por que falar de oração, então? Por causa do Maradona, que nos deixou. E por conta dos vídeos do David Lynch.

Teve um Argentino, o Emi, que frequenta um bar ali de Laranjeiras, que chorou e tudo. Não foi zoado por nenhum de seus compadres de copo. Todos foram solidários. Ali tinha/era, claro, entre muitas coisas, uma celebração da macheza, defensores do pinto como centro do mundo sendo bróders uns dos outros. A despeito dos vômitos que isso possa ter causado nas feministas da área, foi fofo, foi o reconhecimento, a celebração da “obra” de um cara que fez bonito na sua passagem por aqui. Vacilou, claro. Mas mandou bem e tirou uma onda que muito verde-e-amarelo-aí-do-futebol jamais conseguirá. Maradona tinha tutano. Talvez isso deixe o adeus mais doloroso. O tutano do mundo parece que está mesmo super-acabando.

Oração, segundo o google-cionário é um “ato religioso que visa ativar uma ligação, uma conversa, um pedido, um agradecimento”. A explicação fala também num “ser transcendente e divino”, mas é possível “entender” o bagulho como um todo sem chegar até aí. Gritar “Gol!” é uma oração, num certo sentido, porque é uma celebração extremamente positiva, um momento de superação de todos os perrengues. Ou pelo menos de muitos perrengues.

Há a oração de todo mundo, talvez corriqueira, mas mesmo assim “necessária”. E há a de cada um. Pelo menos, pode haver. Ah, pode. No mesmo boteco que o Emi frequenta, alguém sempre deixa, no balcão, uns brinquedinhos feitos de papel. Aquilo que antigamente chamavam de Origami. Um destes brinquedinhos invariavelmente gera comentários: o Tsuru. Aquele pássaro, tão ligados? Há quem acredite que mil, isso mesmo, fazer mil Tsurus meio que equivale a uma oração.

Outra coisa que parece ser um equivalente do exercício de “ligação” são os vídeos diários do David Lynch. Ele quase que invariavelmente fala sobre o tempo em Los Angeles, emendando isso com um comentário sobre a cultura americana. Tipo uma crônica-oração. Você até pode achar importante saber há quanto tempo  uma pessoa faz orações. Pode surgir a pergunta sobre quantos vídeos Mr. Lynch já fez e se é por isso, por talvez ter passado dos mil, que a brincadeira pode ser considerada uma oração. Não é bem por isso. É por ser uma rotina, diária, que estabelece uma ligação entre ele e seus “seguidores”. Também neste caso, é possível ficar com uma explicação/retórica que não chegue até a discussão do “ser transcendente e divino”.

Estes vídeos são os Tsurus do senhor David Lynch. Hoje, o escriba que vos digita teve a chance de presentear o tiozinho cineasta com o milésito polegar-pra-cima do dia. Se ele orou por isso, conseguiu. Há orações diferentes. Há rezas diferentes. Há até quem fale em “rezo”, em vez de “reza”, o que chega a ser surpreendente nesta época de “feminização forçada” da Língua. Mas isso é outra ladainha. Ninguém (aqui) disse/diz que você deve restringir-se a uma única oração. Lynch, por exemplo, faz também regularmente um (outro modelo de) vídeo, no qual sorteia números. Mas isso aí também é outra ladainha.