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Teve sorte: conseguiu parar o carro bem em frente à casa do maluco. Deu uma ajeitada no banco, mexeu nos espelhos e só depois disso tudo mandou uma mensagem, para dizer que já estava lá. Tinha tempo. Enquanto escrevia, e graças aos ajustes que havia feito no assento, percebeu que em volta dava para contar três outros veículos brancos estacionados por perto. Era difícil manter a concentração para digitar frases; preferia mensagens de voz. Por um momento, sorriu, pensando que o amigo talvez tivesse dificuldade para encontrá-lo, quando descesse com o pen-drive. Estava ali para resgatar arquivos importantes, mas não havia mal nenhum em dar umas risadas vendo o Porco indeciso sobre que direção tomar.
Eles se tratavam assim. Um era o Porco. O outro, Animal. Morricone, Banhão, Cezinha, Rocky e Arrombado completavam o time. Ninguém era bom de futebol. Com o Arrombado, era um problema, porque era um apelido/termo que usavam também como tratamento de um modo geral e ainda para demonstrar “carinho”. Era comum ouvir coisas do tipo “E aí, arrombado?” ou “Eu te amo, arrombado”. Eram manés carinhosos. Tinha de tudo: os que não acreditavam mais em Direita e Esquerda e os que sentiam saudade da época em que se ensaiava uma revolução qualquer. Com os apelidos, sentiam-se num universo tarantinesco. Percebiam-se adolescentes. Havia inclusive quem se sentisse mais “macho”, caso do Rocky, e por conta disso os amigos precisavam tomar conta dele quando o encontro era em algum boteco e bebiam demais.
“Para encontrar diversão, você precisa estar disposto a encontrar diversão.” Foi disso que o Arrombado lembrou quando o Porco apareceu, de repente, quase lhe dando um susto, sem-querer-querendo. E aí, por cinco segundos, o abençoado-que-usa-o-veículo-da-firma sentiu-se um sujeito de sorte. Não tivera a chance de testemunhar o amigo perdido entre os vários carros brandos da área, mas a gargalhada havia chegado, anyway, com aquele quase-susto. Naquele parêntese, ali, sentiu-se um homem de sorte, por conseguir rir. As pessoas de um modo geral não andavam rindo muito. O Arrombado gostava de sentir-se alguém “fora da curva”.
“E aí, viu o filme?” “Vi, cara, e porra achei muito maneiro.” “A ideia era essa. A mina curtiu?” “Porra, supercurtiu.” “A ideia era essa.” “Quando é que a gente vai beber uma cerveja?” “Porra, tá foda esse negócio de conseguir parar pra beber uma cerveja.” “O amigo até tem conseguido de vez em quando sair cedo do trampo, né? Maneiro, isso.” Houve um momento de silêncio. Sempre havia. Parece até que esperavam por isso. E também como sempre acontecia um dos dois falou: “Porra, cara, eu te amo. É sempre um prazer ver o amigo.” Combinaram cerveja, acertaram churrasco, sacanearam o Morricone, reclamaram da mulher do Rocky. Repetiram a declaração de amor e se despediram, satisfeitos pra caramba com aquela meia-dúzia de bobagens que haviam dito um pro outro.
Quando o Arrombado ligou o carro para embicar na direção do Méier, percebeu um barulho estranho. Trabalhava com aquilo, com barulhos estranhos, e ficou feliz por ter aquela habilidade/sensibilidade. Desligou de novo o motor. Desta vez, não arrumou o banco para digitar a mensagem, que seria para a patroa. Estava treinando mensagens de texto. Queria avisá-la do problema na carroça da empresa, porque aquilo significava que, no finde, talvez não fossem viajar. Meio que para compensar, avisou que levaria um galetinho e cervejas bem geladas compradas na Marlene. Não queria confusão com a patroa. Não tinha tempo para isso.
Auuu!!
Chegou aqui: “O Lobisomem Errante”, do mestre Julio Shimamoto. Edição da MMarte. Vem com uma serigrafia (21x15cm, numerada e assinada Pelo Shima). Sua coleção vai ficar ainda mais linda com isso aqui. Trabalho lindão. Dá uma olhada lá no site deles: www.mmarteproducoes.com.
Quem passou pelos anos 80 flertando com ou fazendo zines babou/babava diante de belezinhas como “Flipside” e “Factsheet Five”. Gringos e gigantes, eles faziam o zineiro deste lado do hemisfério sonhar com uma cena semelhante ou ao menos parecida. E se tinha uma coisa que provocava mais baba eram os reviews publicados nestas bíblias alternativas. O “FF” era na verdade basicamente um apanhado de resenhas; uma referência sensacional, além de uma promessa: se você mandasse para lá um envelope selado para resposta, receberia em casa um pacote com algumas das publicações resenhadas por eles. Era também assim que faziam a informação circular. Com a rede mundial de computadores, esse troço de fazer resenha de publicação alternativa perdeu um pouco a força. Aquela conversinha de todo mundo ter acesso “fácil” a tudo. Os tempos mudaram e alguns dos zines mais maneiros de hoje em dia têm a pegada da “arte”. Duas pérolas aqui da terrinha que merecem registro são o “5inco”, do Alberto Pereira, e “Brasil”, de Rafael Sica.
O do Sica é um livrinho feito em serigrafia e encadernado artesanalmente pela Caderno Listrado. Vem com uma serigrafiazinha destacada, assinada pelo autor. “Brasil” tem desenhado na lombada um palito de fósforo aceso que parece até premonição… Bate aí na madeira. “Todo mato que está impresso neste miolo foi desenhado por Rafael Sica, durante a pandemia de 2020, enquanto a boiada passava”, diz um cartãozinho que acompanha o pacote. Para quem está minimamente atento ao que se produz de quadrinhos independentes nesta terra, estamos falando de uma edição obrigatória. O conteúdo cheira a curta-metragem, ou é uma HQ-relâmpago. Dê o nome que quiser. A nota é DEZ.
O “5inco”, feito por Alberto Pereira, é um esquema mais humilde/alternativo, xerocado, incluindo poesia, colagens, desenhos. E por isso parece muito com bastante do que se fazia por aqui 30 anos atrás. Pereira é um dos nomes em alta no ranking da produção de lambes e adesivos. Por falar em adesivos, neste pacote vieram dois e não precisa mais do que isso para que nasça a vontade de colecionar material produzido por este cara. Os versos são leminskiantes e só isso já basta para que se queira ler mais. Entre em contato pelo http://albertopereira.com.br