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Domingão

Quando você tem cadernos, dá um jeito de esvaziá-los. No caso de possuir “apenas” folhas, pode por exemplo espalhar isso em postes. É muito mais “pessoal” do que aderir às campanhas pela sobrevivência dos livros, deixando exemplares disso ou daquilo perdidos por aí num certo dia do ano. Quando tem gente atrás de coisas para serem lidas, não há o que fazer, é preciso dar alguma coisa a elas. Se estiver lidando com gente esquentadinha (ou com potencial de), vale também tomar cuidado porque chamar uma coisa de “coisa” pode dar problema. Como identificar o tipo em questão? Aí, são outros quinhentos.

Domingo é um bom dia para pedir desculpas. Se houver sol, são ainda melhores as chances de aceitação. Aceitação da vida, no caso, não só do discurso implorando perdão. Porque implorar só à Deusa, né? É assim que é, é assim que está. Não vai adiantar desenhar porque vai ter gente que não entende. Aliás, tem coisa que é para desenhar e não para escrever. Coisa, de novo, né? Isso ainda vai dar problema.

A poesia, coitada, já esteve com os dias contados. Mas toda essa limitação internética, esse varejão de letrinhas amontoadas, com o qual todos nós colaboramos, quebrou o galho dos versos. A música também parece ter tido alguma sorte. Está aí em tudo quanto é publicação, isto é, post. Quando um idioma vindo do outro lado do globo dominar as coisas, qual será o resultado? É de “desespero” que pode(re)mos chamar? É tudo circo. Aliás, o Circo também não morreu. Foi se adequando até ganhar dimensões planetárias. Essa cara de palhaço estampada aí não surgiu à toa.

Você sabe que está diante de um compromisso importante quando marca para as 18h e, às 16h, já sente que está no atraso. Pode dar problema na máquina que vende cartões de embarque no metrô, pode não ter motorista de aplicativo querendo aceitar a corrida, pode quase tudo e vai ficar melhor ainda quando isso tudo te ajudar a rir da vida. Nem sempre a cerveja depois do jogo vai garantir que certas verdades sejam ditas, que o sorriso fique invariavelmente amarelo diante do amigo fura-olho. Quando o caô é pregação, você se entrega?

Faltar a uma festa de aniversário e não pedir perdão. Aceitar sorrindo um presente que no fundo é insosso. Perder de propósito um jogo de xadrez para que a criança do outro lado tenha chance de vez em quando de aprender co’a vitória e não co’a derrota. Absolver o vizinho que tira do lugar o tênis que depois da pandemia tu insistes em deixar no corredor. Suportar a morrinha que vem dos cachorros do prédio ao lado. Capinar porque ali há capim; assim como há vida, volta e fim. A estrada é feita de um dia atrás do outro. De desculpas, rezas, e, às vezes, crônicas assim-assim.

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Colagem / Pregação #2

O dia, ah, mais um dia. Tinha alguma coisa estranha/diferente já na aula de natação da menina. E que sonhos foram aqueles? Boias que prometiam se esvaziar, uma insegurança anunciada. Um amigo da onça com o sorriso de sempre, mas ao menos desta vez com um brilho que era de falsidade evidente. Jogos de palavras com cães — estes sim jesusmente fiéis — como se não restasse humanidade em que se pudesse conseguir apoio. Os medos de sempre: em vez de trigo, o joio. Mas um pão de mel no sábado pode salvar tudo.

Mosquito se tivesse tutano não picava gente. Era preciso uma boa partida de xadrez. Tinha que achar diversão, novamente. Um bom drible, uma letra com rima elegante, um pedido de aplauso que não fosse só coisa de marqueteiro insolente. Estava cheio de gente encapada de séria mas com raiz desrespeitosa. Chocolate bom é o mais amargo, minha gente. Pão de mel com recheio de laranja, incluindo raspas da casca, ah, que coisa boa. É de mais doce que a humanidade precisa. Quer dizer, a humanidade não tem mais jeito, mas a gente que ainda acredita em alguma poesia precisa de doce.

Naquela cachoeira de palavrinhas, diminutivo às vezes vinha pra fazer a coisa ficar quente. Não era provocação. Era somentemente necessidade de calcular. Chuveiro de onde sai fumaça, afinal, não pode ser boa coisa: não é brincadeira que garanta saúde, então, quanto mais que haverá sobrevivente. E como saúde de morto não serve pra muita coisa…

As pequenas sereias devem ter tido sonhos mais amenos, parecem não se importar com o que há na cabeça dos que estão fora d’água. Erradas, não estão. Batem os pés e gritam “Sai da frente!”. Não precisam de pão de mel, nesta idade. Mas não custa nada adoçar a vida de quem ainda está no início do jogo, porque vai que isso faz diferença lá na frente. Para quem ainda vai nascer, uma dose de doce na/para a mãe também é indicada. A estrada perfeita do amor, como no samba.

Dar as costas para aquilo tudo. Parecia ser a solução. Dar as costas para aquilo tudo. Dar de ombros para o mundo. E esperar por novas acusações. Seria mais tranquilo, então. Tinha aprendido a respirar fundo. Um terceiro pão de mel não faz mal a ninguém.

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Um poeminha não dói

Detalhe da capa de “Sete poemas de casulo e fuga”, de Carolina Medeiros

“Perder-me / Há de acontecer / A ti / E a mim” É assim que Carolina Medeiros começa batendo em “Sete poemas de casulo e fuga”. Batendo porque isso é sim um tapa na cara e, vá lá, porque o trabalho é todo feito co’uma máquina de escrever. Suspire aí você também. É o tipo de empreitada que faz a gente lembrar prazerosamente de décadas atrás, quando era mais comum ver zines xerocados circulando por aí. Naquela época, anos 80 e 90, de vez em quando, um deles gritava na cara do leitor. Ou, como é o caso deste aqui, chegava ressoando como um tabefe.

A gente precisa de tapa na cara? Por que a gente precisa de tapa na cara? Vamos descartar as respostas que a Polícia eventualmente tenha para nos dar. E também não precisa achar que bater é a meta da autora deste zine. O que não dá pra fazer é ficar sem sentir o que ela provoca.

“Sete poemas de casulo e fuga” tem também umas figuras, no miolo. De casulos. E de insetos. Não chega a ser um pôster central. A gente passa por lá e quer voltar logo para o que está escrito. Mas… CM não é de dar ponto sem nó e… Algumas visitas depois, surge a impressão de que aquilo, ali, de alguma maneira, reafirma a posição “feminista” da artista.

Vamos agora jogar uma luz no detalhe da encadernação: as páginas são presas por uma linha e dois nós. Uma referência aos bordados com que a autora também trabalha? Um mimo? É lá e cá, o negócio: um detalhe fofo, um sopapo. Um mata-leão, um afago/abraço. Atenção!

Dá para dizer que os poemas são densos. Dá para dizer que são confessionais. Lidos de uma tacada, os versos parecem montar um filminho. Com figurino bem pensado/caprichado, claro. Carolina Medeiros capricha. Entre em contato com ela por e-mail: carolamedeiros@gmail.com.

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Cheiro de diversão, digo, treta

O Zé continua Sem Nome e Em Forma. Deu à luz “Cheiro de treta”, faixa que vem com participação dos ilustres Junior Abreu e Marco Homobono. O lance nasceu, segundo Zé Felipe, a.k.a. ZSN, porque “o pessoal dum coletivo lá de Curitiba pediu uma inédita pruma coletânea”. Quer dizer: em Curitiba há, sim, pessoas a quem devemos agradecer por alguma coisa.

Você passa um tempo sem ouvir o clássico “Parece Rap” e este distanciamento te dá — se ainda não tinha certeza — o que é preciso para concluir que, sim, se trata(va) de um troço muito louco e muito bom. “Cheiro de treta” mantém o nervosismo, uma avalanche de palavras que não é um simples caô verborrágico, mas, sim, a tradução de uma postura (somente sonora?) peituda de quem parece estar chamando o ouvinte para uma porrada.

Seguir a letra requer concentração. Dá para identificar um refrão, ali, mas vai transcrever, na intenção de fazer uma texto-resenha. Dá pra sacar bem o coro com as respostas do Homobono e do Abreu, quase construindo a cena de um baile funk-charme apocalíptico. Vai; tenta, aí. “Cheiro de treta no ar, acho melhor nem falar nisso, a gente zoa e pede desculpa, (…) uns passinho e vamos dançar…”

Tudo pautado por um certo desprendimento, um descompromisso, uma leveza que tempera a música com “atitude” e revela uma poesia mucho-mucho-loka. Pode rir. Porque o Zé é isso, é pra te fazer rir. Te divertir. E fazer pensar. Pelo menos um pouco. Elaborar, sabe? Se não for pra isso, melhor procurar alguém “com nome”, correndo o risco de perder toda uma diversão.

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Matando a vontade de fazer reviews

Quem passou pelos anos 80 flertando com ou fazendo zines babou/babava diante de belezinhas como “Flipside” e “Factsheet Five”. Gringos e gigantes, eles faziam o zineiro deste lado do hemisfério sonhar com uma cena semelhante ou ao menos parecida. E se tinha uma coisa que provocava mais baba eram os reviews publicados nestas bíblias alternativas. O “FF” era na verdade basicamente um apanhado de resenhas; uma referência sensacional, além de uma promessa: se você mandasse para lá um envelope selado para resposta, receberia em casa um pacote com algumas das publicações resenhadas por eles. Era também assim que faziam a informação circular. Com a rede mundial de computadores, esse troço de fazer resenha de publicação alternativa perdeu um pouco a força. Aquela conversinha de todo mundo ter acesso “fácil” a tudo. Os tempos mudaram e alguns dos zines mais maneiros de hoje em dia têm a pegada da “arte”. Duas pérolas aqui da terrinha que merecem registro são o “5inco”, do Alberto Pereira, e “Brasil”, de Rafael Sica.

O do Sica é um livrinho feito em serigrafia e encadernado artesanalmente pela Caderno Listrado. Vem com uma serigrafiazinha destacada, assinada pelo autor. “Brasil” tem desenhado na lombada um palito de fósforo aceso que parece até premonição… Bate aí na madeira. “Todo mato que está impresso neste miolo foi desenhado por Rafael Sica, durante a pandemia de 2020, enquanto a boiada passava”, diz um cartãozinho que acompanha o pacote. Para quem está minimamente atento ao que se produz de quadrinhos independentes nesta terra, estamos falando de uma edição obrigatória. O conteúdo cheira a curta-metragem, ou é uma HQ-relâmpago. Dê o nome que quiser. A nota é DEZ.

O “5inco”, feito por Alberto Pereira, é um esquema mais humilde/alternativo, xerocado, incluindo poesia, colagens, desenhos. E por isso parece muito com bastante do que se fazia por aqui 30 anos atrás. Pereira é um dos nomes em alta no ranking da produção de lambes e adesivos. Por falar em adesivos, neste pacote vieram dois e não precisa mais do que isso para que nasça a vontade de colecionar material produzido por este cara. Os versos são leminskiantes e só isso já basta para que se queira ler mais. Entre em contato pelo http://albertopereira.com.br

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Padaria

Saudade parece que nunca anda sozinha. A falta que a gente sente de escrever ou de desenhar se emenda fácil, fácil, na falta que faz (convi)ver (co’)uma determinada pessoa. Numa época em que rabiscar pensando em alguém tornou-se um exercício muito mais comum e possível do que rabiscar olhando de perto para alguém, é bom achar uma maneira de lidar com elas, as saudades. Sobram os textos, às vezes, e sorte de quem consegue achar que isso é muito/suficiente.

Fica um pouco chato quando, quase clicando no link da sabotagem, o cara se pega fugindo da escrita, guiado por algum circuito da cachola em que aquilo se transformou numa obrigação. Saudade, quando vem, está longe de ser uma obrigação. É isso sim uma orca te perseguindo na praia, você sabendo que não está suficientemente perto da areia para conseguir fugir. É bom respeitar/aceitar o texto, quando ele surge, porque se aquilo escapa você provavelmente nunca mais conseguirá rever/repensar naqueles mesmos “moldes”. Textos mais do que nunca moldam saudades.

Com a poesia é a mesma coisa. Ou pior. Porque com os versos a gente pode ficar mais escabreado, juntando à possibilidade de registro o medo do ridículo. Se para provocar a gente diz que “fazer poesia é fácil, difícil é confessar que fez…”, imagina pensar poesia, e não escrever nada… No mundo ideal, seria ainda mais “confortável”. Mas o desespero de perder um versinho, um versinho que seja, pode ser também uma semente de ferida com a qual ninguém aí está preparado para lidar. Se disser que está, pode ser uma declaração que não passa de cagaço. Trocando em miúdos, é isso: cagaço.

Teve esta semana a história de um cara que, para lidar com a falta de tempo e a saudade, ocupava ainda mais as brechas que se lhe apresentavam. Isso. Não tinha tempo e tratava de ter ainda menos. Desandou a fazer pães. Cismou com isso e dizia aos manos que aquela “brincadeira” era uma espécie de meditação. Mais um louco-de-pandemia. Quando comia o resultado do trampo, da queima de um tempo que nem existia direito, ou quando distribuía aquilo entre amigues, relaxava. E percebia um alívio. Mas durava só um piscar de olhos, porque a onda era preencher todas, todas as brechas. Pra muita gente, não tem dado tempo de sentir nada.

Lidar com o tempo nunca foi fácil. Com a saudade, menos ainda. Nestes dias, a tarefa parece ter assumido ares ainda mais impossibilitadores. Porque a gente pode se pegar sem conseguir decidir se ele, o tempo, está passando rápido demais ou demasiado lento. No mesmo dia, você pode ouvir alguém dizendo que “já é Agosto” e uma esquina depois que “nem parece que já se passaram quatro meses de trancamento em casa”. O mundo precisa se decidir.

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Leminskiando

Tenho uma coisa com sonho

Eu sonho

E tenho uma coisa contigo

Eu contigo