“Uma máquina ocupada. Outra ali… Duas máquinas vazias. Será que aceitam cartão?” Pensou nisso, apressou o passo e não acreditou quando viu naquele guichê de metrô um ser humano desempenhando o papel de homem que vende bilhetes. Tinha que aproveitar a oportunidade. Era minuto de sorte, só podia ser. Ninguém queria saber do ser humano, pareciam todos preferir as máquinas, e, a julgar pela pressa com que pegou a placa em que se lia “FECHADO”, também aquele ali atrás da estrutura aparentemente blindada não pretendia mais contato com seus “semelhantes”. Pelo menos não naquele início de noite. “Dá tempo de o senhor me vender um unitário?”, foi a pergunta que ele ouviu. E Ivan, como indicava o crachá, respondeu “Sim, mas vai ser o último; vou colocar a placa só pra não ter dúvida.”
Por um momento, o humano-comprador pensou se seria o caso de contar ao Ivan que estava a caminho de uma adega, em Copa, para comer ostras, beber cerveja e cachaça e, o que era mais importante, encontrar uma doceira. Imaginou a estranheza com que ele ouviria aquela informação. Quase uma confissão, na verdade. Temeu que fosse muita coisa para compartilhar, ali, naqueles poucos minutos em que os dois teriam a chance de interagir. Distraiu-se, o humano-comprador, ao amadurecer na velocidade da luz o que lhe pareceu um novo conceito para “interação”: “Momento de contato entre uma pessoa que vende algo, como um bilhete, e alguém que quer comprar aquilo.” Respirou fundo, para não se perder em conceituações desnecessárias naquele momento e retomou o diálogo com o humano de óculos, cabelos crespos, pele negra, crachá e três canetas no bolso do uniforme.
Com a placa de “FECHADO” entre os dois, parecia haver alguma proibição no ar. Haviam combinado, isto é, Ivan-o-humano-vendedor, dissera que aquela seria sua última venda. “Que seja então a melhor venda”, deixou escapar o comprador, antecipando no guichê um pouco do que esperava que fosse o encontro com a doceira. Encontros entre seres humanos eram mesmo capazes de liberar coisas escondidas. Era assim, no passado. Blade-runnermente falando, pode ser que não seja bem assim, daqui a algum tempo. Então, o negócio é aproveitar. Agora. Aproveitar os doces. Aproveitar as cervejas. Aproveitar as cachaças. Aproveitar as ostras. Aproveitar os beijos. Aproveitar a noite.
O comprador estava se distraindo muito. Voltou de onde estava graças às batidinhas que Ivan deu, com uma de suas canetas, no vidro que o separava do resto do mundo. “Desculpa, seu Ivan, viajei, aqui. Quando é mesmo?”A resposta veio rápido: “Seis e cinquenta.” “Tem troco pra dez?” O silêncio pareceu um “Sim” nos ouvidos do comprador e ele pegou uma nota de 20. Fez o dinheiro escorregar pela brecha que servia para isso, pedindo desculpas ao homem que precisou recorrer a uma caneta para concluir seu trabalho, coisa que não devia ser muito comum. Dinheiro vai, cartão/bilhete vem. Um obrigado, um por-nada. Dois sorrisos, ambos aparentemente satisfeitos. Um fim de expediente, uma promessa de doce.