Teve festa de Cosme e Damião, outro dia, né? Então. O menino fantasiado de Super-Homem vinha com a babá, passou em frente ao bar, viu no balcão os saquinhos de doce e ficou meio sem saber o que fazer. O pessoal colocou ali, em vez de distribuir na praça, como sempre fazia, porque o clima pareceu diferente. Aquele papo de intuição. Era melhor deixar visível, ao alcance de quem passasse e quisesse participar da festa. O Super-Homem também estava fazendo diferente. E vez de passar voando, vinha pela calçada, abrindo o caminho para a moça que o acompanhava. Nem era sexta-feira, dia em que é mais comum ver criança fantasiada, ali naquela bolha. Mas Clark Kent colocou a roupa de festa.
Foi a super-audição ou só vontade de adoçar as coisas mesmo, mas o menino percebeu logo os pacotinhos e caminhou na direção deles. Havia determinação, naquele moleque. Talvez a fantasia desse a ele ainda mais segurança. Ou eram Cosme e Damião. Cada um podia acreditar no que quisesse, ali, naquela calçada. A tiazinha do bar perguntou para a babá, que estava atenta: “Ele pode comer doce?” Diante da resposta afirmativa, facilitou as coisas para o garoto, oferecendo um dos saquinhos. A babá sorriu, satisfeita. O pequeno herói, mais satisfeito ainda, segurava firme o presente vindo dos céus, isto é, do balcão. A moça reconduzia o garoto para a calçada, onde deveriam continuar no caminho para alguma missão importante, e, em voz alta, deu início ao que parecia a recapitulação de um ensinamento. Afinal, pequenos heróis precisam ser bem educados. “Como é que se diz? Como é que se diz?”, insistiu ela, e enquanto todos aguardávamos por um agradecimento o menino sorriu e mostrando o saco de doces disse bem alto: “Abre!”
Havia também outros heróis e “vilões” circulando, naquela tarde. Um deles conseguiu pegar três saquinhos de doce, em momentos diferentes. Um segundo conseguiu dois pacotes e, depois deste feito, quando já ia longe, alguém que estava perto comentou sua conquista. Foi apontado por clientes do bar que disseram: “Cês deram mole, ele já tinha passado aqui… Já tinha levado um saquinho do lote do balcão…” Era um garoto já grande, que com certeza tem também seus dias de herói. Largo. Sorridente. E discreto: não estava fantasiado. Mas para mantê-lo no time dos heróis, vamos chamá-lo de… Bom… Era tipo o Coisa. Esse segundo herói, estrategista, voltou mais tarde, e tentou um saquinho pela terceira vez. Foi lento. Chegou num momento em que havia muita gente perto do balcão.
Mas na hora em que ia pegar o saquinho foi interpelado pela tiazinha que tomava conta do lugar: “Mas, menino, de novo!?” O Coisa ficou vermelho, um super-poder que ninguém ali sabia que ele tinha. Até tentou argumentar, mas a tiazinha foi mais rápida: “Menino, se você pega muito, tem criança que fica sem…” O Coisa, ainda vermelho, tirou a mochila e fez que ia pegar alguma coisa lá dentro. Disse “Tá bom, tá bom, vou devolver o outro…” Houve um silêncio na calçada, como não se espera acontecer quando há um super-herói em ação. “Ah, fala sério… Pegou, pegou. Tá tranquilo. Vai lá.” E geral, num coro surpreendente, incluindo a tiazinha durona, celebrou o gesto do Coisa. Era dia de Cosme e Damião. Parecia que geral queria ser doce.