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Quadro colorido

Foi um diálogo rápido. Mas chamou a atenção porque era um pouco Doce contra Salgado. E Doce contra Salgado mobiliza as pessoas. O “contra” não revelava uma oposição, exatamente, mas talvez uma impossibilidade, ou incapacidade — de ambas as partes — de chegar a um acordo. Porque a opção pelo desacordo criava pelejas como aquela. Durou uma meia-hora. Divertido, às vezes, para quem teve a sorte de acompanhar. Houve até quem fizesse vídeo, sob a promessa de não publicar em lugar nenhum mas, sim, guardar as imagens apenas como… Recordação? Recordação de uma discussão? Big-brothermente falando, fica difícil hoje em dia filmar algo e não publicar, mas a questão ali era o Doce contra o Salgado, então o pessoal soube se concentrar no que importava: nos ensinamentos.

“Você tem 39 anos e nunca entrou num banheiro de Salgado”, perguntou Salgado ao Doce. “Como é que pode isso?” E com o sorriso de quem parecia conhecer segredos do oponente seguiu no ataque: “Banheiro é território de liberdade. Você não precisa ter medo de sair do seu e entrar no do outro…” Foi possível perceber o desconforto com que Doce ouviu aquilo. Parecia saber que se tratava de uma piada. Entendia a provocação, porque era isso, uma provocação, mas não queria perder tempo pesando consequências e atirou: “Você está muito enganado!” Não era só defesa. Era também ataque.

A conversa começou com os dois professores falando de questões estéticas. O que está escrito em banheiros masculinos será parecido com o que fica registrado nos femininos? Tipo isso. “Eu não sei, porque não frequento banheiros masculinos”, declarou a professora, tranquilamente, sem imaginar o ataque que viria em seguida: “Ah, mas vai dizer que você nunca entrou em um?”. Era uma provocação, claro. E talvez entregasse que havia, ou que tivesse havido, entre eles, mais do que uma relação cordial.

Cada um bebeu um gole de cachaça, a bebida disponível, ali, por perto, em copinhos minúsculos e com detalhes que permitiam identificar o que era de quem. Copinhos que pareciam dizer: cuide do que é seu, não do que é dos outros. E era como se Doce e Salgado precisassem também de marcas mais visíveis, para que pudessem entender quem era de quem. Ou melhor: que ninguém era de ninguém. Ver duas pessoas discutindo por uma coisa e perceber que, na verdade, há outros pontos em jogo, é divertido. Pode ser assustador, mas, ali, estava divertido. Ainda bem que existe cachaça.

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Colagem / Pregação #2

O dia, ah, mais um dia. Tinha alguma coisa estranha/diferente já na aula de natação da menina. E que sonhos foram aqueles? Boias que prometiam se esvaziar, uma insegurança anunciada. Um amigo da onça com o sorriso de sempre, mas ao menos desta vez com um brilho que era de falsidade evidente. Jogos de palavras com cães — estes sim jesusmente fiéis — como se não restasse humanidade em que se pudesse conseguir apoio. Os medos de sempre: em vez de trigo, o joio. Mas um pão de mel no sábado pode salvar tudo.

Mosquito se tivesse tutano não picava gente. Era preciso uma boa partida de xadrez. Tinha que achar diversão, novamente. Um bom drible, uma letra com rima elegante, um pedido de aplauso que não fosse só coisa de marqueteiro insolente. Estava cheio de gente encapada de séria mas com raiz desrespeitosa. Chocolate bom é o mais amargo, minha gente. Pão de mel com recheio de laranja, incluindo raspas da casca, ah, que coisa boa. É de mais doce que a humanidade precisa. Quer dizer, a humanidade não tem mais jeito, mas a gente que ainda acredita em alguma poesia precisa de doce.

Naquela cachoeira de palavrinhas, diminutivo às vezes vinha pra fazer a coisa ficar quente. Não era provocação. Era somentemente necessidade de calcular. Chuveiro de onde sai fumaça, afinal, não pode ser boa coisa: não é brincadeira que garanta saúde, então, quanto mais que haverá sobrevivente. E como saúde de morto não serve pra muita coisa…

As pequenas sereias devem ter tido sonhos mais amenos, parecem não se importar com o que há na cabeça dos que estão fora d’água. Erradas, não estão. Batem os pés e gritam “Sai da frente!”. Não precisam de pão de mel, nesta idade. Mas não custa nada adoçar a vida de quem ainda está no início do jogo, porque vai que isso faz diferença lá na frente. Para quem ainda vai nascer, uma dose de doce na/para a mãe também é indicada. A estrada perfeita do amor, como no samba.

Dar as costas para aquilo tudo. Parecia ser a solução. Dar as costas para aquilo tudo. Dar de ombros para o mundo. E esperar por novas acusações. Seria mais tranquilo, então. Tinha aprendido a respirar fundo. Um terceiro pão de mel não faz mal a ninguém.