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O herói da estação

Um estêncil “incômodo” com o qual a gente precisou se acostumar a conviver é o “Não desvie o olhar”. Um desagrado bom/necessário, nos dias de hoje, parecendo pretender convidar ao pensamento crítico. De um modo geral, fica(va) em postes, na parte baixa, rente à rua. Como que numa alusão à população que rasteja também ali naquela altura. Eles, os pedintes. Pessoas em “situação de rua”, como dizem. Quando A. parou na esquina, naquela sexta, estava perto de um daqueles sinais. Pensava na Primavera, sobre a qual tinha ouvido muita gente falar, naquelas últimas horas. Era o primeiro dia da estação. Estava avexado, mesmo antes de encarar a sentença pintada em azul. Não queria ler. Queria ser lido. Chegou a imaginar que, talvez por isso, para se mostrar, estivesse parado, ali naquele cruzamento. Mas não teve jeito: foi incapaz de fingir que não viu.

Tinha aprendido que ficar parado numa esquina representa risco. O ensinamento viera de um policial, anos antes. O sujeito disparou num bar algo do tipo “O cara fardado não pode ficar de bobeira, pra não virar alvo”, e, mesmo sem farda, fez todo mundo ali entender que estava diante de um prisioneiro de uma daquelas roupas. Quase todo mundo fingiu que não ouviu. Um flash silencioso e nada mais, foi o que aconteceu. A bebida é mesmo um ótimo entretenimento, às vezes. Mas o bagulho ainda ecoava nas entranhas de A., anos depois. “Porra, cadê as flores?”, reclamava, ali, parado, sem conseguir decidir se estava mais amolodado com as lembranças ou com a frase na grande estaca de concreto. Fingir, isto é, representar não era assim tão fácil.

Parecia ter chegado a hora de tornar mesmo aquele momento um troço mais cinematográfico. Como? Acendendo um cigarro. “Mesmo sem Zippo, funcionou”, concluiu, rindo sozinho, quando uma mulher parou e pediu informação sobre uma rua. Sentiu-se, aí, sim, um ator num filme. Era como se naquele momento a Primavera tivesse finalmente começado para ele. Respirou como um herói: preocupado com o pessoal jogado nas calçadas, conhecedor dos nome das ruas da vizinhança, com a camisa bem passada. Ah, sim: calculou um movimento para ajeitar a roupa. “Herói tem que ser um pouco vaidoso”, desculpou-se, num cálculo-pensamento na velocidade da luz. Ouviu um bem-te-vi. E, ainda com aquela aceleração impressionante, rimou com quero-te-ouvir. “Ela quer me ouvir, é isso que ela quer…”, falou, deixando confusa a interlocutora que, com olhos um pouco arregalados, apressou o passo e saiu daquela cena.

Desconcertado, A. olhou em volta. Não sabia bem o que estava procurando. Era como se o silêncio o isolasse. Pensava em por que os carros tinham parado de fazer barulho. Tentava entender como as crianças jogando bola do outro lado da rua conseguiam fazer aquilo em silêncio absoluto. Teve medo de perder os super-poderes. Olhava para todos os cantos, como que num daqueles passatempos de antigamente, o Jogo dos Sete Erros. Foi quando viu uma mulher e duas crianças, protegidas por uma marquise de prédio. “Porra”, soltou alto, colocando a mão no bolso enquanto ainda não estava completamente certo do que dar a eles como almoço. Não queria perguntar. Ia fazer surpresa. O bem-te-vi de novo cantou, naquele instante, e meio que confirmou que como herói era aquilo mesmo que A. deveria fazer.

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Boteco Connection #7 — TX

“TX” foi como uma galera se acostumou a fazer referência ao “táxi”. Ah, a era das abreviações… “Valeu” virou “vlw”; “obrigado” passou a ser “obg”. E por aí vai. Mas uma citação que se espreme em duas letras pode ser considerada carinhosa/relevante? Sim, sim. Duas letras são capazes de exprimir apreço, medo, ofensa. “Cu” é um bom exemplo disso, para falar de um componente muito presente em nossos cotidianos. E voltando aos encurtamentos: quem nunca teve que encarar um “vtnc” num debate sobre política no Zap? Não soa mais ameno do que quando todas as letras são usadas? Mas fiquemos no universo dos taxistas, estes quase-pescadores/historiadores, às vezes safados [como qualquer dono(a) de cu pode ser], às vezes prestativos, gente conhecedora das leis, de Economia. Um pessoal que parece saber a Verdade. Isso tudo pra afirmar: ponto de táxi perto de um boteco pode ser garantia de animação fora da curva.

Fora da curva, não fora do taxímetro. Porque ninguém acorda cedo para levar desvantagem nas vias do Rio de Janeiro. Em grupo, eles se sentem seguros. Normal. Mas mais do que isso: parecem também capazes de oferecer segurança/proteção. Não numa perspectiva miliciana. Na camaradagem, em nome de uma certa “família”. Em português mesmo: família. Taxista, graças aos céus, é um cara que parece ter conseguido fugir dos anglicismos. Não existe meeting de taxistas. Existe churrasco mesmo. E mesmo se a carne estiver bonita, eles vão deixar pra lá a fome e vão conduzir o bêbado classe-mediano que saiu do boteco até o endereço informado. Porque agora tem a concorrência do Uber, né, então, minha gente, é tempo de ser mais prestativo do que nunca.

Os apelidos compõem um ingrediente espetacular. Filé. Fofão. Conde. Tim Maia. China. Kiko. Chaves. Medonho. Lobinho. Quando estão juntos, num dia fraco de corridas, ou numa noite com poucos bêbados solitários precisando chegar em casa logo para vomitar e mergulhar no sofá, o clima na calçada é de Segundo Grau. Segundo Grau no sentido de período escolar, o que hoje é conhecido como Ensino Médio. Ver um bando de “adultos”(#sqn) se zoando, a ponto de dois se juntarem para fazer uma cama-de-gato que vai derrubar um terceiro… Não tem preço. Esta categoria, a de taxista, parece às vezes ser um indicativo do que é a sociedade. Há as pessoas mais “sérias”,  há os com os carros mais bonitos, há os que confrontam uma torcida inteira e após uma garrafada no quengo choram como bebês, há os que mentem descaradamente, e ainda há os que não querem te levar a Santa Teresa usando como justificativa aquele caô de que “os trilhos do bonde podem rasgar os pneus do carro”. E — viva! — tem os que servem de “inspiração”, quando um escriba quer manter a regularidade e parece não ter sobre o que falar.

Taxistas parecem ser uma viagem ao passado. A um mundo pré-internet. Você não pode entrar no carro do Fofão — ainda mais se for o Fofão — e mandar uma mensagem com letras maiúsculas exigindo que ele desligue o rádio. Tem que investir na cordialidade e pedir com jeito. Esse pessoal em carros amarelos com listas azuis, aqui no Rio é assim, esse pessoal passa pelo mundo e vê o mundo passar. Às vezes, em alta velocidade. Nem sempre respeitam sinais. Nem sempre fazem os melhores caminhos. Quase nunca têm troco. Às vees, não são assim tão simpáticos. Nem sempre torcem para o time certo. Nem sempre votam no melhor candidato. Mas a vida é assim. É bom, quando estão ali; depois que a gente sai do boteco.

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Boteco connection #6 — 80 anos e no jogo

O que pode melhorar um dia em que, até o início da tarde, tudo que o cara vendeu foram três garrafas de Spaten 600ml? Por onde andariam os biriteiros do bairro? É, crise é isso aí, compadre. No flow, surge um tiozinho declarando ter passado dos 80 anos. Figura nova na área, do tipo que fala pouco: “Cachaça.” Mantendo a crença na necessidade de confirmação que algumas situações trazem, surge do outro lado do balcão a pergunta: “Cachaça?” E a resposta, mantendo o estilo: “Barata.”

Já não era mais necessário confirmar muita coisa. Uma primeira resposta ruim quase sempre fazia nascer uma segunda pergunta que não raro beirava a antipatia: “Barata?” Aquilo que era adequar-se ao estilo do freguês. Puro marketing de boteco. Sem dar tempo para resposta: “Olha, tem essa aqui,” mostrava o cara do bar. O coroa apertava os olhos, depois de ajeitar o boné verde que não lhe caía bem na cabeça de cabelos ralos e cinzentos. Negociado o preço, ele pediu, além da dose, limão e açúcar. Beleza. Oitenta anos, caramba. As solicitações não parariam por aí. A vítima seguinte era o Tonto, que estava brincando de segurança. Segurança que bebe latinha de Império: está aí uma categoria em que não se pode confiar muito mas que, pelo menos, é de um modo geral simpática.

“Posso me sentar?”, inquiriu o senhor, sem dar pistas sobre até onde iria co’aquilo; mas já falando muito mais do que se passou a esperar dele naquele curtíssimo espaço de tempo. Cachaça barata é um troço que pode sair muito caro. “Melhor não”, respondeu Tonto, claramente temeroso. “Ah, o seu espírito não bateu com o meu”, começou então o Senhor Boné Verde, completando sem dar tempo para que o rapaz de bigode e amante da solitude se recuperasse: “Eu gostava de brigar. Você já matou alguém?” Era só a primeira cachaça, gente, e a coisa já estava neste nível. É bom ter cuidado com o que a gente sente/pede, porque o Universo está de olhos e ouvidos bem abertos. Queria um cliente? Toma um cliente.

Não era um tiozinho agressivo. Saiu da frente para os entregadores de Denker fazerem seu trabalho. Eram as garrafas de Ipa chegando, e, pelo adiantado da hora, não ficariam geladas para o forró que rolaria mais tarde, na praça, ali perto. De longe, não deu para entender muito o que respondeu o Tonto. Mas o tiozinho ocupou a segunda cadeira da mesa. Foi rápido. E foi de lá que ele pediu uma segunda dose. Já havia preocupação e medo no ar.

“Segunda dose? Como assim? O senhor pediu a primeira com desconto. Era pra ser só uma. A segunda vai ter que ser pelo preço normal. Quer mesmo?” O sorriso mais amarelo que se viu naquela calçada, naquela semana, confirmava que haveria uma nova branquinha-com-açúcar-e-limão. Deu pra entender o que ele cuspiu, antes de levantar: “O mau do urubu é achar que o boi tá morto.” Tonto mostrava-se até recuperado dos primeiros dois minutos de inevitável conversa com o forasteiro, mas aquela frase bateu mal e trouxe de novo preocupação para o ambiente.

Parecia tudo encerrado, com o papo de urubu. Cinco minutos? Menos de cinco minutos depois: “Agora, eu vou embora, mas quero mais uma”, pediu, mencionando o desconto dado na primeira dose e sublinhando que “aquilo sim é um valor justo”. “Espreme mais um limão aí. Bota açúcar nesse negócio, garoto”, provocou, talvez se escorando no efeito que o ensinamento sobre o comedor de carniça tinha despertado nas pessoas em volta. Era sensível, o velho; e estava atento aos humores. “Tá com limão, meu caro. E tá com açúcar”, ele ouviu. E ouviu também: “Estamos aqui pensando que hoje à noite na hora de fechar vai ser bom manter um olho no peixe e outro no gato, quer dizer, no urubu.” Histórias em bares às vezes se encerram de maneira abrupta.

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Última chamada

As coisas na igreja andavam mornas. E em casa o termômetro de Didi costumava ficar longe daquela área vermelha — a da quentura extrema — que a gente via nos desenhos animados de antigamente. Bota longe nisso. Tinha uma barraca de cachorro-quente, em frente à vila. Aterrissava ali, naquele projeto de bênção e riqueza, após a jornada como faxineira com um uniforme que a invisibilizava. Gostava da palavra “aterrissar”, ela; porque fantasiava o glamour de frequentar o aeroporto e desfilar com mala de rodinha. Sonhava com o alto da pirâmide. Não era à toa que lua após lua enfrentava o trinômio igreja-faxina-salsicha. Quando falava “aterrissar”, e sempre dava um jeito de fazer isso, chegava a sentir nas mãos o amendoinzinho que daria para as crianças, como se em vez de “ganhar no voo” ela tivesse lembrado de comprar aquilo. Queria o prazer dos deslizes, das culpinhas da classe média alta. Talvez também por esse motivo aceitasse os bombons do Manga.

Ou “Velho Manga”, como dizia sua mãe. A coroa era a única que a chamava de “Edil” e parecia fazer isso de zoação. Da mesma forma que praticava co’o Manga ao acrescentar o “Velho”. Didi não aceitava o jeito como a mãe se referia a ela. Mas engolia. No caso dos doces do Manga, pegava mas… Não comia. Nem dava para as crianças. Porque todo mundo sabe que no avião não distribuem bombons. E por não acreditar nas boas intenções do vizinho. Temia algum feitiço, ali naquele mimo. Era uma situação que ela considerava engraçada, até. O cara tinha uma mania que a deixava preocupada/intrigada: dava os doces e no dia seguinte perguntava: “E aí, ficou tudo bem? O bombom não fez mal, não, né?” A primeira vez em que aceitou, lembrava bem: tinha recebido uma ligação da Legião da Boa Vontade e a Valéria, com quem ela se desculpou por não poder fazer qualquer doação, após alguns minutos de papo, plantou em Didi uma semente de adivinha o quê. De boa vontade, caramba! Aquela coisa de LBV parecia um sinal. E isso deu ao safado da vizinhança a chance de ver seu bombom trocando de mãos.

Uma: “Mas o Manga é muito amigo daquelas mulheres ali de cima.” Duas: “O Manga, todo mundo comenta, tem aquele foguinho; é um velho foguento.” Três: “O Manga finge que é santo, mas de santo não tem nada.” Quatro: “Isso só pode ser coisa daquelas rameiras lá de cima, que ficam de olho no Tuta. É flecha!” Ela engatilhava esta série de frases e sempre empacava na última. Porque Tuta era seu marido. Era um dos responsáveis pela baixa temperatura na vida de Didi. Mas era marido. “Meu marido, caramba!” era às vezes a quinta frase da série. Tuta fazia Didi ter vontade de xingar. “Caramba”, pra ela, já era palavrão. “Se não pode falar na igreja, é palavrão”, apontava, sem ter certeza sobre isso ser mesmo uma regra no templo. Manga, por sua vez, alimentava na moça uma certa desconfiança., diferente dum convite ao xingamento. Às vezes, fazia rapidamente uma comparação, sem perceber que estava calculando: achava que quando escalasse a pirâmide seria mais fácil conviver com alguém como o Manga do que com um tipo como o Tuta.

“Tuta” lhe parecia um apelido esquisito. Não entendia por que a mãe não acrescentava/mudava nada ali naquela alcunha. Não decifrava também por que a velha ficava do lado do cara, quando surgia alguma pendenga. A última tinha sido quando ele, no encontro natalino do ano anterior, disse que daria de presente a todos ali uma prova da sua importância. Isso numa festa em que não havia álcool, hein! Contou então que o pessoal lá da parte de cima da rua estava pensando em abrir uma lanchonete, na esquina, e o lugar seria chamado de “Tuta Lanches”. Didi arriscou xingar: “Caramba!” Mas só conseguiu fazer isso uma vez porque a mãe ordenou: “Deixe o homem falar!” E ele continuou, explicando que aquilo aconteceria porque “Tuta é um apelido que traz sorte.” O projeto seguiria sem autorização do dono da “marca”, primeiro, porque ninguém havia pedido autorização; segundo, porque ele também se declarava generoso.

Uma nova série de sentenças havia se formado, depois daquela passagem da porcaria do Papai Noel. Uma: “Por que o negócio ia se chamar ‘Tuta Lanches’ se todo mundo sabe que nessa história quem dá duro sou eu?” Duas: “O Tuta acha que é só ir no Ceasa sábado pra comprar queijo e fica tudo certo?” Três: “Tem que encostar o umbigo ali, na chapa, cortar todo dia a cebola pro molho do cachorro-quente, tá?” Antes da quarta, Didi foi interrompida por um garoto que de súbito soltou uma que fez a mulher sorrir: “Didi, Didi, vou embarcar num podrão. Dá um cachorro-daqueles-com-tudo.” Ela gostou particularmente do “Vou embarcar”, claro. Chegou quase a sentir o trepidar das rodinhas de uma mala, e pensou em oferecer o lanche de presente para o moleque. Era assim que pretendia subir na vida. Com gentileza. “Sem o Tuta, caramba!”, disse, ruborizando em seguida e sem coragem para levantar a cabeça e descobrir se haveria alguma reação na cara do jovem cliente. Decidiu não cobrar pela iguaria, como que para de desculpar por causa do palavrão. O garoto não entendeu, mas aceitou o presente. Se naquele instante chegasse o Manga, ela pensou, talvez aceitasse um bombom. E talvez também desse de troco um sorriso diferente. Se pá, era hora de embarcar.

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Flerte

Começou com um “Te vi ontem de longe”. A vontade do outro lado era de responder de pronto usando “Ah, se de longe tá bom é melhor ficar assim mesmo…” Mas — angústia-vai-angústia-vem — pintou um “Quer me ver hoje?” e foi tipo no instinto o disparo de um certo “Só se for bem de perto”. A maneira como certas questões se apresentam e se resolvem/dissolvem, é um território em que se pode ainda enxergar originalidade. Sim, dá pra falar em “originalidade”, aí, nesse terreno. Assim como se pode afirmar que é mais fácil falar sobre como elas, as questões, se apresentam, do que sobre as questões-em-si. Este não é um texto para formar samurais. Questões-em-si, na maioria dos casos, seriam boas se ficassem longe. Aplausos para a originalidade, que consegue às vezes entortar as coisas.

Singularidade não anda sozinha. Quando está de mãos dadas co’a sutileza, constrói uma pradaria de beleza ímpar. Uma amplitude danada de bonita, mesmo vista numa telinha de celular. Que é onde todo mundo vê o troço todo, hoje em dia. Né? Quando uma companhia (dona Sutileza, no caso) for capaz de garantir a existência de piadas perigosas, ela mais do que deve ser vivida: deve, isso, sim, ser celebrada. É quase um flerte com a autodeterminação, sem correr o risco de enganar o cara dizendo que crescerá nele um samurai. É do que prescinde o sujeito que vende bilhetes de loteria e pede um refrigerante e uma empada a quem estiver sentado no bar. Bebe o que tem. Come o que tem. Nossa Senhora das Empadinhas nem sempre faz o milagre pelo qual reza o fiel.

Ainda tem gente que vende bilhetes de loteria. Perguntam o ano em que você nasceu e se houver ali uma milhar com aquele número… prepare-se para ser firme no “Não, não quero”. Mas… Do tamanho da fome deveria ser também a retumbância do agradecimento. Como um prêmio na Federal, com bilhete inteiro. Não é porque Nossa Senhora das Empadinhas dessa vez garantiu o frango, no lugar do camarão, que não merece uma… uma missa. Ela, a santa, estava longe ou mostrou-se próxima, quando matou a fome e a sede do mané?

O que acontece é que a gente, a gente que não é samurai e jamais vai ensinar alguém a segurar uma espada, a gente se confunde com os sinais que aparecem. E com as piadas que youtubemente falando se mostram necessárias para uma vida plena de realizações, quer dizer, de seguidores. Aconteceu outro dia com um cara que se viu diante de uma banda que misturava alemão e japonês. Idiomas. Misturava os idiomas, não cidadãos.

Uma banda pode mesmo te apresentar mais problemas do que diversão? Vai saber. Tinha o caso daquela chilena que ficava com o pé atrás com as músicas do Nirvana, porque achava as letras pesadas. Não queria cantar aquelas coisas. Não queria aquelas influências. Não queria. Não queria ficar perto daquilo. E nem mesmo longe sentia-se segura.

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A gente que desenha #2

Dias em que você em algum momento acha que não deveria ter saído de casa. Dias em que uma certa timidez toma conta de tudo. Aqueles dias. Dias em que o pessoal do laboratório atrasa três horas, ferra com o intervalo do almoço, faz o jejum transformar-se num vazio-de-ódio. Dias em que quase se dá graças à Deusa pelo cabelo comprido, quase um superpoder, quase um manto-da-invisibilidade. “Tipo hoje”, x modelx parecia dizer, usando aqueles poucos centímetros de franja como uma lona de caminhão. Vale tudo, em dias assim. Tudo para se esconder.

Nenhum intervalo entre as poses. Pressa. A vida está passando. O alarme do celular mais do que funcionar bem parece estar acelerado. O rosto não pode ficar sempre virado para a parede dos fundos, então, aquele imenso vazio para onde elx olha parece tão importante e tão cumpridor do papel de acolhedor de desespero que até dá vontade de a gente que observa virar pra tentar entender o que há por lá.

Encarar de frente uma plateia que empunha objetos como papéis e lápiz e bastões de carvão e sprays de laquê que não serão usados na cabeça pode ser uma tarefa complicada num dia complicado. É quando plateia rima bem com alcateia. Um quase-exército de lobos-rabiscadores, com seus olhares sedentos/atentos mais grafites de diferentes calibres. Um “perigo”, uma “ameaça” iminente. Algo que se apresenta como um imenso centro de alvo para tiro, de onde — ainda mais num dia assim — não se pode fugir.

Dia que ninguém merece. Ou dia DE ninguém merece? Dia de cansaços que retornam, de dores de cabeça que transbordam. Dias de males-me-querem. De tambores frouxos, com os quais nenhum maestro pode conduzir uma marcha. Dia de marcha à ré. Um desenho sendo feito ao contrário: sendo desfeito, portanto. Um risco que apaga, em vez de registrar. Que dia.

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A gente que desenha

Há diferentes maneiras de “encarar” o desenho. Desde “uma possibilidade de profunda elaboração” até “um simples hobby”, passando por “terapia ocupacional” e “exercício libertador”. Um sujeito ali da outra rua dizia que não apanhava dos playboys da Barra, nos anos 80, conhecidos de escola, porque sabia desenhar. Quer dizer, estamos falando de uma prática capaz ainda de pesar nas questões de segurança e integridade física. Que coisa, né?

Quando se insere a figura de um(a) modelo, um ser humano que fará pose para ser observado e transportado para uma folha de papel, a coisa é capaz de avançar um degrau na escala da complexidade. No mínimo, porque envolve uma pessoa a mais, além daquele(a) que segura o lápis.

Nos mergulhos que os detentores dos lápis (ou bastões de carvão, gizes etc) damos, nunca sabemos o que vamos encontrar. Um esboço vai nascendo, mas terminará como? É parte da “graça” do desenho. Claro que se pode apostar num resultado fotográfico, fruto de uma técnica que exigiu anos de prática e — como negar? — ao menos algum talento. Mas a imagem que surgirá numa folha, após a observação de alguém que está ali para ganhar um “retrato”, pode oferecer detalhes que nascem de grandes, digamos, subjetividades.

O desenhista algo atento pode ser capaz de ver “além”. Pode? Deve? E se pá de “sentir além”. Ah, e ainda isso? Há mestres desta arte/prática que defendem, como parte fundamental do exercício, o investimento de “bastante tempo” na “observação” — antes de serem dados os primeiros riscos.

Num encontro entre pessoas que seguram o lápis e uma outra que tira a roupa para ser observada, todos experimentamos uma certa tensão. Tensão mesmo, mas que dá pra chamar às vezes de “tesão” (sem conotação sexual). X modelx reclamou sutilmente do pé que estava doendo e, a partir daquilo, houve quem enxergasse dor nas poses que vieram. Comentou sobre o cansaço e pode contar que os observadores ali enxergaram/experimentaram “uma verdadeira exaustão”. A gente que desenha observa não apenas com os olhos. A gente que desenha faz mais do que rabiscos. A gente que desenha às vezes sofre para desenhar.

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Ressignifica que eu gamo

Todo esse papo de ressignificação e, na banca, para mais uma confirmação, jornais para… para quem quer manter a rua limpa. Pro classe-mediano-responsa-e-revolucionário, pra esse cara fazer bonito e tirar dali o cocô lindamente liberado pelo cachorrinho. Assusta um pouco que haja gente que largue porcaria no caminho dos outros? Sim, ainda. Ainda há. Mas beliscão maior nesta era ressignificativa é ver um pacote de jornais, embalados em saco plástico, para serem usados meio que como papel higiênico. Sempre se falou de como o noticiário impresso naquelas folhas enormes quase que invariavelmente será/seria usado, no dia seguinte, numa feira, como embrulho de peixe, mas… Abrigar cocô de cachorro é o fundo do poço.

O bêbado aqui da calçada também estava querendo dar uma nova perspectiva para sua ressaca. Chamou a desagradabilíssima de “momento do beijinho”. Ele tratou de se explicar, vendo-se diante de caras/máscaras muito inquisidoras: “É que a receita pra curar esse bagulho, no dia seguinte, é fazer um suco com frutas vermelhas e batizar co’um beijinho de vodca, antes de bater…” A pergunta seguinte poderia ser a respeito das frutas vermelhas ele gostava de usar. Mas quiseram saber a marca do destilado que ele adicionava, como se a garantia do milagre estivesse ali.

Lugar bom pra ressignificação é mesmo balcão de bar. Ou mesa de bar. Ou a calçada em frente a um bar. Neste inferno que é o Rio de Janeiro, nem sobre a temperatura da cerveja o pessoal se entende. Já sabemos, porque estavam dizendo outro dia, aqui em frente, que usar a expressão “canela de pedreiro” nos dias de hoje não pega bem. Por enquanto, você ainda pode dizer que a garrafa está “mofada”. Por enquanto. Até aí, ok. Mas voltando ao inferno que é o Rio, no que diz respeito ao calor, uma regra básica deveria ser ver as garrafas sendo servidas no modo “estupidamente gelada”. Aí, se o cara está bebendo uma artesanal ou algo assim, se para ele é importante saborear a bebida numa temperatura mais “alta”, beleza: espera um pouco e esta temperatura será alcançada. A grande maioria das pessoas quer a “mofada”. E não vão ressignificar esta preferência. Não aqui no Inferno.

E aí surge outro problema: acreditam que o “mofo” vai durar para sempre. Acreditam no caô da “camisinha”. É, “camisinha”, aquela capinha para proteger a garrafa e o precioso líquido, com a promessa de que vai manter a temperatura. Nenhuma temperatura aqui no Inferno, que parece o Rio, pode ser mantida razoavelmente baixa/refrescante por mais de alguns segundos. Aí, o guerreiro da luz ressignificante pede uma gelada e, depois do primeiro copo, vai e reclama da temperatura da ampola. Na era da ressignificação, pilotar um balcão requer mais do que sintonia. Precisa mesmo é da boa e velha paciência.

Também se fala muito dos novos contratos entre namorades. Entre os mais cascudes, há quem aponte aí não uma simples ressignificação, mas, sim, uma ressignifornicação. “Eu quero ser livre”, diz um. “Marquei de ficar contigo mas vou aproveitar o carnaval para viajar pra um lugar lindo que descobri com amigues…”, desculpa-se outrem. Aí, é quase uma dupla mudança de significado, porque este ano, oficialmente, o carnaval não ia existir mas no fim das contas será dobrado: então, tudo o que acontecer neste período, ao pé da letra oficial, poderá ser tomado como pura ilusão. Para o bem ou para o mal, dependendo do significado que apesar de não valer para nada pode continuar marcando a alma de muita gente por aí.

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Juventude

Chegou adiantado mas preferiu não ver como estava o paciente. Foi para a cozinha do lugar em que trabalhava. Queria comer um pão. Vinha fazendo contas, desde cedo, naquele dia, e continuava, ali, tentando não olhar para uma pia que estava sempre imunda. Para fugir daquela imagem, pegava pedacinhos de miolo e enfileirava bolinhas como se construísse um ábaco. Se o velho tivesse melhorado, teria tempo para continuar nas investidas pelo aplicativo e, com sorte e empenho, conseguiria marcar uma saída para aquela noite, ainda.

Não era medo. Era um troço estranho. O troço estranho atrapalhava a concentração e fazia com que seus músculos ficassem enrijecidos. Troços estranhos deixam a gente mais apreensivo, como que anunciando que alguma tragédia está prestes a acontecer. Troços Estranhos, sempre eles. Poderia ser uma Grande Merda. Mas achava que se tratava só de um Troço Estranho. Se pá: Trocinho Estranhozinho. Mas é que mesmo no diminutivo eles bastam/bastavam/bastariam para, por exemplo, impedir que um encontro noturno acontecesse.

Fazia contas joão-e-mariamente, com o auxílio do miolo do pão. Não queria correr riscos. O que deveria fazer? Tinha que encarar o problema, respirar fundo diante de eventuais perrengues e… Talvez rezando, os bagulhos se resolvessem. Foi o que pensou. E rezou. Rezou. Rezou. Depois de um tempo, cansou de rezar e foi até o quarto. Precisava ver como estava o velho. E quem sabe, depois de tanta reza, fosse possível no caminho encontrar os troços estranhos e dar cabo deles. As rezas eram rápidas, o que alimentava sua insegurança. Achava que para funcionar as rezas deveriam ser mais longas. Mas só podia usar as rezas que tinha e estas, no caso, eram todas curtinhas.

Era difícil para aquele senhor de quase 90 anos ajeitar-se sozinho na cama. Mesmo assim, com as pernas meio que penduradas, ele achava conforto e tranquilidade para mergulhar no sono. O enfermeiro viu aquilo e se perguntou: “Será que os troços estranhos andaram por aqui e puxaram as pernas do velho para fora da cama?” Ficou na dúvida sobre se aquela era ou não uma posição inadequada para o paciente.

“E se a filha dele chega aqui e vê o mulambento desse jeito?” Foi a questão que surgiu. E, com esta, até conseguiu lidar. Mas, se estivesse diante de um sinal, deveria fazer alguma intervenção? Sabia que invariavelmente os sinais lhe seriam apresentados e que tudo dependia de uma boa interpretação. Tudo, no caso, era a solução, o prêmio para o fim daquele dia de expediente sofrido. Começara no serviço havia poucos minutos, mas já sabia que seria uma jornada de dor. Dor para ele. “O mulambento que se vire…”

Vendo as pernas tortas do coitado, era certo que as coisas não se ajeitariam sozinhas. Meio amasadas, meio penduradas, meio traduzindo desconforto, meio rígidas demais, meio fazendo dele o coisa-ruim. A inadequação daquele senhor colocava tudo em xeque. Eram tantas perguntas que quase esqueceu dos remédios. Os dele e os do velho. Os dele, tudo bem, tomaria e pronto. Mas teria que cutucar aquele corpo mal-ajambrado, teria que lidar com um ensaio de lucidez daquele monte de pele e ossos… Estava quase desistindo do encontro. “Vou pedir pra sair dessa porra! Isso, sim! Não, pra mim, não dá mais…”

O sol entrava pelas frestas da janela. Fazia com que novas ideias surgissem. E com que remédios fossem tomados, como se fosse aquilo a rotina mais normal do mundo, solução até para ameaça de meteoro. Numa manhã como aquela, depois de dias de chuva, aquele brilho amarelo oferecia o brilho de um prêmio. Lembrou de uma outra reza, ensinada por uma amiga de uma religião diferente, uma reza que falava sobre o sol. Quis “pegar” aquele sol. Quis agradecer a amiga por ter ensinado a reza. E, quando percebeu que quis isso, sorriu.

Ouviu ao longe a descarga de um banheiro. Mais longe ainda, uma maritaca. E bem perto percebeu que o velho abrira os olhos, babava, sorria e falava com dificuldade: “O sol…” Arrumou as pernas do doente, então, sem medo de que a disposição anterior delas fosse um sinal do Mal. “Será que esqueci alguma porra de remédio?” O velho babou ainda mais, seguiu sorrindo e conseguiu forças para falar ainda mais alto: “O sol…” Naquele instante, o enfermeiro retribuiu o mostrar de dentes e teve certeza de que não ia dar merda, à noite. Teve certeza de que teria um bom encontro. “Bom dia, velho”, disse, para ouvir de volta o costumeiro “Velho é o caralho…”. 

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Zero-vinte-e-um-nove-nove-um

Sofria com aquela bobagem de esperar alguma coisa dar errado, sabe? Ela era assim. Falou sobre isso com o cara. E comentou que naquele dia estava experimentando um prazerzão. Viu os olhos dele ficarem diferentes e continuou: “Você concordou com o lance que sugeri e aí… É que eu sou meio louca, entende? Fica tudo pior, na vida de uma louca.” Teve certeza de que o parceiro não havia sacado nada. Pegou dali e insistiu: “Quando a gente está feliz, ou pelo menos acha que está, o que dá quase no mesmo, a mana que é meio louca acha que vai acumulando pontos que lá na frente vão dar numa grande M.” Tinha acabado de ter a sensação, ela, de que aquilo tudo era bobabem e, melhor, de que estava esquema-tudo-tranquilo. Isso porque havia lido a mensagem do sujeito em que ele dizia “Ok, vamos viajar, neste fim de semana”, e manteve os batimentos numa levada razoável, sem precisar do respira-calma-concentra-respira-calma. Mais: ficou serena e feliz. Usou até a palavra “Feliz”. Fez uma pausa e se comentou: “É estranho falar ‘mana’? Mulher pode falar ‘mina’, né?”

Tinha pensado que aquelas dores que andava sentindo representavam uma chance de alcançar aquilo que a humanidade como um todo não tinha conseguido, mesmo com a pandemia: melhorar. Chamava de “pandemia própria”, a sentença do médico, que indicava a necessidade de um “pequeno procedimento cirúrgico”. Sofria com isso tudo e se escorava na vontade de brincar de ser artista. Anotou uma frase — “O sonho da pandemia própria” — e prometeu transformar aquilo num cartaz, assim que estivesse recuperada. Rapidinho, deixou escapulir: “Não, não é pra gastar mais dinheiro, porra!” Também em relação ao tratamento tinha medo, mas achava que havia mesmo uma chance de vencer aquilo. E fez mais uma promessa a si mesma: de escrever aquela máxima nos banheiros femininos dos botecos que tivesse a sorte de frequentar, num futuro próximo. Tinha aprendido com o namorado a se divertir com canetões.

Pixies, Martinho da Vila, Blur, Gal, Beatles, Novos Baianos, Nação Zumbi, Cake, Céu, Breeders, Miles Davis. Ouviu coisa pra caramba, na véspera do feriadão. Achava que com música construía um clima, tornava uma cena mais palpável, aliementava uma esperança, passava o tempo, esquecia a culpa, resistia ao respira-calma-concentra-respira-calma, aproveitava mais o respira-calma-concentra-respira-calma, preservava a libido, bloqueava sugadores anônimos e outrem nem tão anônimos assim, controlava as despesas com chocolate e castanhas e vinhos e queijo, aceitava os banhos quentes nos quais quase invariavelmente achava demorar mais do que devia. E o que parecia melhor que tudo: resistia à ideia de ter um gato. Tinha conversado com o namorado sobre Led Zeppelin e ficou incomoda com a zoação do cara, que classificou os tiozinhos como metal farofa. Quase ficou puta. Mas sorriu quando ele pediu perdão, explicou que ela era “muito nova pra gostar de Zeppelin” e disse que topava ouvir o álbum favorito dela. Já estava clareando, quando combinaram isso, antes de uma nova agarração e da chegada do sono. Pensou em arrumar confusão dizendo que Dead Kennedys também é som de velho. Antes de dormir, lembrou do médico e do tratamento. Pensou na vida curta. Queria ter coragem para levantar e tomar um banho quente e demorado. Queria dormir só quando o sol já estivesse alto. Mas ficou ali com o cara. “Ainda bem que ele não ronca.”

“Não precisa de acompanhante, não. Você vai se internar na segunda logo cedo e no dia seguinte já deve estar liberada.” Foram as palavras do médico. Ela não entendia como tinham conseguido marcar tudo tão rápido. E por que não precisava de acompanhante? Será que o boy insistiria na ideia de acompanhá-la? Será que não haveria chance de novos banhos quentes, num futuro próximo? Queria ter a chance de aproveitar a água sem culpa. Já não acreditava na polarização na política, evitava hambúrgueres na loja do palhaço, às vezes abusava do vinho, queria ter mais tempo, precisava de mais tempo, não era justo que tudo terminasse ali daquele jeito, sem que tivesse ouvido sequer um álbum do Led Zeppelin com o maluquinho. “Caralho, tô chamando o cara de namorado. A gente tem que tomar um banho quente juntos. A gente já morre, todo dia. Mas é pior quando a gente se mata, todo dia…” Respira-calma-concentra-respira-calma.

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