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Três lados

Está rolando, desde o último fim de semana: uma espécie de trégua. Gente de todos os tipos, digo, de quase todos os tipos fazendo a mesma pergunta. Todo mundo, ou quase todo mundo, querendo saber do presidente que história é essa de a patroa ter recebido todo aquele cascalho do Queiroz. Alguém lembra de um episódio recente em que tenha havido uma “união” assim tão grande, ainda mais nos terrenos internéticos? Bem que algum estrategista podia aproveitar isso para começar um trabalho de pacificação/reunião que tire da prefeitura do Rio aquele cara que está lá. Mas aí talvez já fosse pedir demais. Vamos nos concentrar no momento, nos contentar com a sensação de paz, boa vontade e colaboração que anda rolando. Como se o novo normal pudesse ser assim. Pelo menos aqui nesta bolha.

Ah, é, tem a questão da bolha e esta “trégua” pode ajudar a gente a entender melhor as bolhas. Ou as moedas. Quer dizer, pode ser um passo definitivo na direção da aceitação dos três (e não dois) lados da moeda. As bolhas não são apenas a reunião de um grupo de pensadores/agentes pautados por uma única verdade. Em cada bolha, há na realidade gente de diferentes tipos enxergando a “verdade” de acordo com o que é conveniente para o próprio umbigo num determinado instante. A história dos 89 mil tostões faz a gente pensar que, neste xadrez, mais do que uma bolha contra a outra, há em cada grupo discordâncias cada vez mais ferozes que andam dificultando a manutenção das bolhas em si.

Quem aí com algum tutano não conhece uma alma que considera menos privilegiada na capacidade de elaboração e entendimento do mundo mas com quem, por uma série de motivos, por “afeto”, vá lá, é capaz de (ou ao menos tenta) manter algum diálogo? Isso não significa render-se ao caô de que não há Direita nem tampouco Esquerda. Não é isso. E “afeto” não é sinônimo de perdão incondicional. Mas isso é fugir pelo menos um pouco do maniqueísmo futebolístico.

Talvez a gente pudesse seguir o exemplo daquela rapaziada californiana descolada, que, meses atrás, combinou de levar seus cachorros para passear justamente no trajeto programado para horas depois ser preenchido por uma manifestação de extremistas de Direita. A ideia não era brigar, mas sim deixar que os cachorros fizessem número dois pelo caminho para que os reaças, pelo menos alguns deles, cagassem seus pés durante a caminhada.

Imagina se essa “moda” pega, por aqui. Vislumbre um novo momento de união nas bolhas. De um lado, pessoas que se preocupam com os direitos de cães e gatos mas resistem/meditam pra não jogar seus Jeeps em cima dos humanos que estão em situação de rua… Do outro, o grupo social-democrata, que defende ações do Estado para garantir o bem-estar da maioria e que por isso são tidos como radicais de esquerda, áses da arrogância nas discussões com referências acadêmicas… Todos unidos contra aquele vizinho mané que nem enche o saco de ninguém, mas… mas há alguma coisa de “estranha” no comportamento dele, né!?

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Padaria

Saudade parece que nunca anda sozinha. A falta que a gente sente de escrever ou de desenhar se emenda fácil, fácil, na falta que faz (convi)ver (co’)uma determinada pessoa. Numa época em que rabiscar pensando em alguém tornou-se um exercício muito mais comum e possível do que rabiscar olhando de perto para alguém, é bom achar uma maneira de lidar com elas, as saudades. Sobram os textos, às vezes, e sorte de quem consegue achar que isso é muito/suficiente.

Fica um pouco chato quando, quase clicando no link da sabotagem, o cara se pega fugindo da escrita, guiado por algum circuito da cachola em que aquilo se transformou numa obrigação. Saudade, quando vem, está longe de ser uma obrigação. É isso sim uma orca te perseguindo na praia, você sabendo que não está suficientemente perto da areia para conseguir fugir. É bom respeitar/aceitar o texto, quando ele surge, porque se aquilo escapa você provavelmente nunca mais conseguirá rever/repensar naqueles mesmos “moldes”. Textos mais do que nunca moldam saudades.

Com a poesia é a mesma coisa. Ou pior. Porque com os versos a gente pode ficar mais escabreado, juntando à possibilidade de registro o medo do ridículo. Se para provocar a gente diz que “fazer poesia é fácil, difícil é confessar que fez…”, imagina pensar poesia, e não escrever nada… No mundo ideal, seria ainda mais “confortável”. Mas o desespero de perder um versinho, um versinho que seja, pode ser também uma semente de ferida com a qual ninguém aí está preparado para lidar. Se disser que está, pode ser uma declaração que não passa de cagaço. Trocando em miúdos, é isso: cagaço.

Teve esta semana a história de um cara que, para lidar com a falta de tempo e a saudade, ocupava ainda mais as brechas que se lhe apresentavam. Isso. Não tinha tempo e tratava de ter ainda menos. Desandou a fazer pães. Cismou com isso e dizia aos manos que aquela “brincadeira” era uma espécie de meditação. Mais um louco-de-pandemia. Quando comia o resultado do trampo, da queima de um tempo que nem existia direito, ou quando distribuía aquilo entre amigues, relaxava. E percebia um alívio. Mas durava só um piscar de olhos, porque a onda era preencher todas, todas as brechas. Pra muita gente, não tem dado tempo de sentir nada.

Lidar com o tempo nunca foi fácil. Com a saudade, menos ainda. Nestes dias, a tarefa parece ter assumido ares ainda mais impossibilitadores. Porque a gente pode se pegar sem conseguir decidir se ele, o tempo, está passando rápido demais ou demasiado lento. No mesmo dia, você pode ouvir alguém dizendo que “já é Agosto” e uma esquina depois que “nem parece que já se passaram quatro meses de trancamento em casa”. O mundo precisa se decidir.

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Sinais

Cor-de-rosa, branco, verde, bege e azul. Uma mistura improvável que dá certo. Cabelos soltos, mostrando que estão maiores. Isso também dá certo. Um daqueles brincos de mandala, com arco, penas roxas, que chegam até o ombro e ficam batendo, ali, meio como uma maré. Um brinco-maré, taí. Maquiagem, de leve; como se precisasse daquilo para mostrar as maçãs do rosto, mas sem carregar demais, sem exagerar, delicadamente, pedindo licença. Parecendo mais magra do que estava, meses antes. Flores amarelas. Porta branca. Paredes meio cinzentas. Estante despretensiosa, sem aquele monte de livros que acabamos nos acostumamos a ver em vídeos. Um objeto que parecia uma luminária, lá atrás, tem um tom metálico, prateado mas fosco, sem chamar muito a atenção. O que será que tem dentro daquelas caixinhas de madeira, na mesinha?

Os movimentos com os braços, longe da helicopterização feroz dos candidatos a VJ de antigamente, sugerem algum ensaio anterior. Sabe bem o que faz com as mãos. Talvez tenham rolando uns 30 minutos de meditação. O jeito como olha para uma determinada direção… sei lá, pode ter alguma coisa escrita ali, na frente dela, mas isso não é nada. Quer dizer, de maneira nenhuma compromete a apresentação. O jeito como saem as palavras nos passa tanta, mas tanta segurança, que mesmo se você não está muito interessado no assunto é capaz de ficar ali, por horas. Horas mesmo. Se assistir ao programinha por quatro vezes, já passa de uma hora no total. São, sei lá, três histórias, em 15 minutos? Melhor ver mais uma vez. E as três, ou sei lá quantas histórias são, constroem um lance maior, que é a grande mensagem sendo compartilhada ali. Os detalhes são muitos, as histórias se misturam. Talvez nem dê pra dizer que são em tal número, talvez seja mais seguro informar que se trata de uma grande história e pronto.

Toda aquela preparação, o ambiente, o cabelo, a blusa, o roteiro escrito que a gente nunca vai ter certeza se rolou ou não mas podemos apostar que sim existiu, tudo isso, enfim, garante um espetáculo pelo qual mesmo o mais sovina dos rocha-mirandenses pagaria bons trocados para testemunhar. Mas um dos melhores detalhes de tudo é que a lição está ali para ser vista por geral, todo candidato a discípulo que tiver um computador ou telefone-esperto de hoje em dia, com um daqueles planos para acessar rede social, enfim, todo mundo pode ver a mestra em ação. Todo mundo tem a chance de fazer parte do grupo que vai dormir em dúvida sobre o que ela quis realmente dizer aos 4m37s quando citou o exemplo das velas que se apagam. Ou, o que é melhor, com a certeza de que ela estava falando sobre si mesma quando garantiu que basta uma mulher um pouco mais atenta para que as coisas não desandem numa negociação para o estabelecimento de responsabilidades numa parceria romântica. Isso foi ao 7m43s e é um dos melhores momentos da fala.

E quando ela solta um “Perdoem o meu francês mas… foda-se”!? Que firmeza. Que desprendimento. Foi como uma gingada, um movimento de Capoeira, com graça e muito certeiro, dado para derrubar quem estivesse na frente. Uma dose de raiva. Uma pitada de força. O cara já cai só de perceber o que vai ser atingido. Se ela segurasse o golpe, mesmo assim ele seria eficiente. “Peraí, esta frase é de uma outra aula, a de terça-feira, é tanta informação que qualquer um pode confundir tudo. Vamos ver de novo para não misturar as coisas.” Acaba sendo uma boa oportunidade para conferir se aparecem mesmo umas borboletas por volta dos 10m. Borboletas amarelas, é esta a impressão que dá. Passam bem rapidinho, pelo canto superior esquerdo da tela. E o mais legal é que são duas. Duas borboletas, gente. Quando é que você viu isso num vídeo? Não dá para ensaiar com borboletas. Aquilo foi um sinal.

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Sol e Lua

Falar em hiato, quando você tem menos de duas décadas de vida, tem a ver com aulas de português. Depois, é uma danada de uma lacuna no tempo. Destas que te deixam com uma folga de mentirinha e às vezes medo de pensar. Outro dia, numa tentativa de piada, um cara na rua comentou que o bom deste ano é que, em 2021, ele vai dizer que está com a mesma idade porque 2020 não terá feito parte da contagem. Não foi uma piada maravilhosa, mas serviu como tempero para este hiato que estamos todos vivendo. Naquele minuto, contribuiu com os humores de quem estava por perto.

O domingo foi de sol e havia muita gente sem máscara, na praça. Dona Marlene, num dos seus flashes de Rainha de Espadas, avisava que quem quisesse passar por ela para ir ao banheiro, ali no Salvatore Café, só tinha uma alternativa: cobrir a cara. As pessoas riam e obedeciam. Claro, né!? E na segunda vez em que se aproximavam não esperavam por um novo aviso, já abriam suas pochetes e sacavam seus paninhos com elásticos. Como tem gente usando pochete, meu Deus.

É tanta sede, tanta vontade de ir para a rua, que fica bem perigoso o risco de esquecer que o pesadelo ainda não passou. Não acabou. Mesmo que haja menos discurso notadamente pessimista, entre um gole e outro, ainda podemos contar com os matemáticos do apocalipse avisando sobre os números que caem no fim de semana porque ninguém contabiliza direito a coisa, e, na segunda, tudo volta a subir, “sem falar nos países X e Y, onde o vírus parece ter voltado com força e já se ensaiam novos períodos de isolamento”.

Sorrisos, mais do que nunca, revelam-se os melhores entre todos os entorpecentes. Ainda mais quando, por sorte, mesmo dispensando o paninho na cara, muita gente lembra de evitar os abraços. Ah, tem o detalhe dos cotovelos. As pessoas usando os cotovelos umas para cumprimentarem as outras. Será que dobram a quantidade de álcool ali, naquela região, quando chegam em casa? Fica a dica. Poderemos dizer, no futuro, que houve uma época em que as pessoas não se davam as mãos, para que fossem apertadas, mas, em vez disso, faziam um movimento que parecia o de um lançador no beisebol para oferecerem seus cotovelos e assim celebrarem um encontro. Isso tudo em praça pública.

Dez por cento de desconto em que mesmo, hein!? Um carro de som, anunciando promoções numa churrascaria, faz o favor de lembrar todo mundo que já é segunda-feira. Podemos contar ainda com um pouco de sol, por sorte. Há também uma mudança de lua garantida no calendário, para mais tarde. Mas, talvez por ser início de semana, dia de prosseguir com o trabalho mesmo sem saber bem como… Surge na boca aquele gosto amargo de hiato. Esse troço que não passa.

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Música Resenha Umbigada

Acorda, Weller!

Um camarada pediu um texto sobre Paul Weller. Pra um projeto. Uma das tantas ideias que a gente vem discutindo, nas últimas semanas. “Pô, Paul Weller?”, me perguntei, de cara, meio sem coragem de falar com o mano que acho meio sem graça esse PW aí. Foram dois dias ouvindo o recém-lançado “On sunset”, com suas 15 faixas (sendo dois repetecos: um remix e outro instrumental), pra chegar à conclusão de que, hm, sabe? É mesmo insosso, o negócio.  E ainda por cima começo a escrever sem saber se é pra ser um texto-texto-mesmo, destes que as pessoas leem, ou se o bagulho é pra funcionar como “roteiro”: pra ser lido, pra alimentar/orientar um locutor. Sabe?

PW, que na verdade é JWW (John William Weller) é um britânico sessentão, cantor e compositor, que não foge à regra de ter feito coisas melhores quando começou a carreira. No caso dele, o começo foi com o The Jam. Neste álbum de agora, PW/JWW inicia melancólico com “Mirror ball”. Parece até que estava numa quarentena ou algo assim, eu, hein! Tem hora que OK a faixa de abertura ganha alguma animação, mas segue como se fosse uma música para quem tem tempo, muito tempo para ficar ouvindo sobre indecisões e passados mais felizes. “Baptiste” vem depois, um pouco mais suingada, como que pra salvar um pouco a situação. Uma música mais “simples”, que fica ainda mais simples quando aparece uma segunda vez, fechando o álbum, sem a letra, isto é, em versão instrumental.

Talvez a gente possa dizer que “Walkin'” é uma música com uma mensagem clara, neste disco. E esta mensagem é de otimismo. Otimismo água-com-açúcar, sabe? Talvez seja euforia para inglês ver/ouvir. Também é uma faixa que serve para pensarmos que estamos diante de um trabalho de altos e baixos. Porque “Walkin'” vem logo depois de “Equanimity”, que é do time das soturnas.

Mas… Verdade seja dita: elas, as soturnas, não estão em maior número, porque há também as que ficam em cima do muro. Você aí que está procurando raios de sol, pode encontrar alguma coisa do tipo em “Earth beat” (“She’s a new day, a new morning…”): esta sim é gostosa de ouvir, mesmo que não seja a coisa mais original do mundo. Há um momento mais rock, em “Ploughman”. Benza Deus. Talvez estejamos falando aí da melhor faixa de todas. Outra candidata ao posto é “More”, com um groove que até se sustenta mas peca pelos solos abusivos.

“On sunset”, que dá título ao trabalho, é bluesy, e merece o rótulo de “bem atual”, por trazer na letra um detalhe que, se não for uma alusão aos dias de isolamento que estamos vivendo, é um lance profético: “And the world I knew has all gone by.” Mais? “Rockets” não decola, “I ‘ll think of something” talvez alguma noite numa arena sirva de pano de fundo para pessoas acendendo isqueiros, “4th dimension” é instrumental mas, tá, e daí?

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Bart, Lisa e você aí

Tem um episódio (bem antigo) de “Os Simpsons” que é maravilhoso. A Lisa pergunta mais ou menos assim ao Bart: “Se uma árvore cai, no meio da floresta… isso fez barulho?” O pequeno capeta responde e ela ensina que, tipo, aquilo é uma questão filosófica, é uma frase/pergunta que permeia nossas vidas há séculos e “não tem uma resposta definitiva”. Para o pequeno garoto amarelo, parece ter resposta, sim. Talvez ele viva uma vida mais confortável que a da irmã. Que não é exatamente um anjo, mas está do lado oposto ao de Bart. O lado de quem “sofre”, talvez.

Seres humanos têm a sorte de poder contar com frases, filmes, livros que são capazes de tornar melhores as suas vidas. Não, não precisa ser livro daquele tipo lindamente (des)organizado, como os que aparecem atrás de muita gente que faz live. Ah, sim, hoje em dia, há também as lives no Instagram; mas isso é outra parada. Boas histórias e bons roteiros deixam a gente com um sorriso de satisfação e, se não chegam a ser um ensinamento, são vá lá um quase-ensinamento. O que já é muita coisa. Nesse sentido, “Los Angeles – Cidade proibida” (“L.A. confidential”, de 1997) merece ser citado. Uma frase muda o filme, explica ligações, provoca um “estalo” no mocinho. É, tem uma espécie de herói, mas dá pra perdoar isso em nome de um bom insight/script.

Na sequência, você pode ficar se perguntando que frases está deixando de entender, quais crimes foi incapaz de perceber, quantos lobos continuam ali do lado disfarçados. Não porque você é louco. Mas porque lobos, no sentido “mau cidadão, sujeito escroto” da palavra, existem. Estão nas reuniões de condomínio, nos agrupamentos de WhatsApp. Ah, nos grupos de WhatsApp, então, nem se fala. E é muito difícil enxotá-los.

Passamos horas e horas, mensagens e mensagens, esperando que se contradigam. Percebemos a astúcia e constatamos péssimas intenções em falas aparentemente cheias de boa vontade. Temos certeza de que planos horríveis estão em andamento e levarão todo o grupo a uma grande armadilha. O tempo passa, o candidato a herói continua sofrendo e aquela frase cinematográfica não vem. Não vem nem em hora errada, quanto mais no momento certo.

Aí, o que pode ser ainda pior, surge a desconfiança de que mesmo se surgir a frase não há plateia suficiente acompanhando com atenção a história para entender a grande revelação. Surgem dúvidas sobre o combustível gasto só para manter atenção nos enredos que nos cercam, na tentativa de sobreviver aos lobos, às árvores que caem na floresta, ao preço do milk shake ou da cerveja (que não para de subir). Nessa hora, muita gente pode sentir inveja do Bart Simpson. E com certa razão.

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Lua a(i)nda minguante

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Boa semana!

Tão especial quanto o amigo que te manda Slayer… é o outro que envia Replicantes. Uma semana punk rock, no bom sentido, pra geral. Com muito amor:

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Sabe a Bruna?

Janela perto da rua, em época assim de isolamento, é uma beleza. Você pode ficar fechado e sentindo a vibe da calçada. Tem o cara que varre alguma área bem cedinho. Tem o porteiro do prédio em frente e suas teorias sobre… ah, só bobagem. Tem a dona do cachorro, com voz de quem tem mais de 80, verdadeira especialista em reclamar de alguém que se chama Bruna. É fácil você de ouvinte transformar-se em “cúmplice”. Três manhãs seguidas ouvindo a mesma ladainha e dá até para se perguntar: será que ela está falando mesmo pelo celular ou está querendo ser ouvida, sabe que está sendo ouvida? Quatro manhãs ouvindo que Bruna “é mó muquirana, não sabe reconhecer o que fazem por ela” e já dá pra concordar que se trata de uma grande vacilona.

Às vezes, abrir a janela se apresenta como uma alternativa. Mas fica só nisso, numa possibilidade. Isolamento é isolamento. Alguém tem que respeitar. E vai que o cálculo é mal feito e a inimiga, quer dizer, conhecida da Bruna ainda está ali, esperando o cachorro fazer número dois, porque o bicho pode ser daqueles que demoram, e você dá de cara com ela. O que esperar de uma breve troca de olhares? Será uma conexão carregada de cumplicidade? Ou de desconfiança? A dona vai perceber que você está ali há dias acompanhando aquele desenrolo? Com quem será que ela tanto fala sobre a Bruna? E, hm, como será a Bruna, fisicamente, hein?

Assim, perto de onde passam os carros, fica possível também rever uns episódios do passado das nossas vidas. Nunca há silêncio. Nem à noite. É sempre uma avalabche de informações. Pode-se perceber as construções daquilo que, nas próximas pandemias, daqui a uns 30, 40 anos, será o passado da molecada de hoje: o carro que passa oferecendo “ovos fresquinho”, o outro que promete recolher qualquer tralha de metal que esteja ocupando desnecessariamente espaço em casa: ar-condicionado, máquina de lavar, sucata de alumínio… O vendedor de pamonha deve ter sido contaminado pelo vírus. Que se recupere logo. Será que esse pessoal passa na rua da Bruna?

Os barulhos das campainhas ganham outra dimensão, quando você está em casa, concentrado em alguma tarefa muito importante para fazer o tempo passar, na esperança de afastar a preocupação com o dinheiro que está acabando. O porteiro-eletrônico, que se mistura com os de carne-e-osso de antigamente, e a vizinhança mais silenciosa são capazes de fazer a gente se perguntar: o que essa pessoa do 203 aí de frente tanto compra online, hein? E a Bruna, será que tem cascalho para gastar assim de bobeira, nestes tempos bicudos?

Este grande espetáculo oferecido a quem está disposto a prestar um pouco de atenção aos ruídos que preenchem esse mundão de meu Deus servem também de pulga. Pulga atrás da orelha. Se você está ouvindo geral, geral também está te ouvindo. Cuidado com os sons que produz. Defenda-se da fofoca old-school, aquela que mesmo em tempos de isolamento pode surgir numa calçada, numa fila de banco; é capaz de vir nas conversas telefônicas de alguém sem nome mas com língua afiada, conversando pelo celular, cedinho, em frente a uma jalena silenciosa. Viu, Bruna?

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Segunda-feira desmascarada

Chegamos a uma época em que cenas que eram corriqueiras são capazes de nos deixar assustados. Ou pensativos. Pensativos sobre se estamos mesmo assustados ou não, no mínimo. Como um restaurante cheio, agora no início de junho.

“Não era pra todos estarem em casa? Ou nós estamos mais uma vez com a cartilha errada? Quem distribuiu as cartilhas, Isadora?”

A menina, com seus 13 anos, era o que ainda se chamava de “mocinha”. Ela olha para o avô, que não tem cara de avô mas é avô, e não entende se ele está fazendo uma piada ou não.

Com o tempo, a menina vai entender que às vezes os mais velhos não se decidem sobre fazer ou não uma piada e falam mesmo assim, como se não conseguissem prender dentro deles o sofrimento que as zoações são às vezes capazes de aliviar. Era o que estava acontecendo, ali, naquele início de junho. Culpa de maio.

“Isadora, eu sei que às vezes te confundo…”

Ela riu, abraçando o velho não mais na altura da cintura, como costumava ser, mas já bem mais no alto, e isso o deixava feliz porque ele tinha a sensação de ter feito um bom trabalho de amor: a neta o abraçava sem pensar muito, deixava essa vontade vir à tona, não tinha muito aquela coisa de adolescente, de ficar envergonhada na interação com os mais velhos.

Dentro do restaurante, dava pra ver isso, claramente, as mesas estavam quase todas ocupadas. As pessoas próximas umas das outras, todo mundo sem máscara. E outra daquelas dúvidas toma o pensamento do velho malandro, ou “ex-malandro”, como o malandro gostava de dizer.

“Se pá, as pessoas não estão com máscaras porque está na hora da comida, né? Mas… Será que elas podiam estar assim já tão juntinhas?”

E aí o susto foi outro: teve aquele medo de estar pensando como um velho, de estar apegado a preocupações pesadas demais, de andar curtindo pouco a vida, uma vida que, ele sabia, estava já pra terminar, mesmo que só falasse “ex-malandro” como piada, mas sabendo que o jogo não estava mais no início… Mas não era para pensar nisso, naquele momento. A angústia por ver na rua um monte de gente sem máscaras de proteção já era tortura suficiente. E era ainda segunda-feira. Melhor empurrar alguns sofrimentos para depois. Pelo menos alguns.

“Isadora, menina, vamos comprar uma água de coco pra gente tomar em casa?” Ela sorriu e fez que sim, celebrando a proposta com um outro abraço. Era ainda uma criança.