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Boteco connection #5 — O (mau) cheiro da mudança

Pode não ser muito fácil, pelo menos não para a maioria, o sujeito parar e se perguntar o que mudou num determinado espaço de tempo. Ainda mais numa época em que a cada dois minutos tudo pode estar muito, muito diferente. E se a gente vê dificuldade neste questionamento, como esperar que haja chance — pelo menos para um ou outro maluco — de entender transformações que se construíram por, digamos, duas décadas? Fica difícil, no mínimo, por conta da quantidade de detalhes que podem ter se acumulado ao longo de um período assim tão grande. Né?

Porque, sim, é um período muito grande. Ou ainda é. Mesmo que haja esta velocidade toda, hoje em dia, e essa relativização incessante para qualquer assunto/questão. Tá: mesmo 20 anos atrás, tudo podia mudar em dois minutos. Mas talvez pouca coisa mudasse assim tão rápido. Ao contrário do que (pode) acontece(r) hoje. As mudanças são cada vez mais velozes e assustadoras talvez porque sejam fruto/desdobramento umas das outras. O mundo está pegando embalo. Onde isso vai parar? Isso vai parar? Desacelerar é possível/necessário? Mudança é um troço que se retroalimenta?

Por falar em necessidade, está rolando neste momento o 1.876.987° curso online que oferece a quem teme a fome a chance de entender o “mercado” e se reajustar/reorganizar para voltar a ganhar dinheiro logo agora, antes do fim da pandemia. Vai ser rápido. E pode fazer o pobre ainda resistente aceitar que os balcões de boteco mudaram. E que se, duas décadas atrás, ninguém sequer imaginava que existiria uma coisa chamada “grab’n’go”, isso hoje é uma realidade. Que pode mudar em dois minutos, claro. Mas é realidade…

Uma “prova” da capacidade que as coisas têm de mudar é este texto. Você até pode desdenhar: “Ah, é só uma provinha…” Mas, no início, mesmo sem que se soubesse para onde iria a prosa, não existia ainda nenhuma poeira que parecesse ser capaz de encaixá-lo na série Boteco Connection. Mas nada é garantido, os cursos online estão aí para reafirmar isso (e que tudo depende de planilhas, metas e organização). Pode ser que tudo mude ainda mais. Se vai ser possível entender, aí, são outros quinhentos. Ninguém disse que ia ser fácil.

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Boteco connection #4 — Vender cerveja requer paciência

Era fácil encontrar um traço de saudade, em qualquer crônica que se embrenhasse por botecos. Goró é a droga “permitida”, então, pra muita gente, é sobre ele/ela que se deve/pode escrever. E sobre a relação entre isso e os desdobramentos que podem surgir nas vidas de quem está em volta. Quando o assunto é uma desgraça, porque todo mundo sabe que o álcool provoca muita tragédia, aí a gente não chama de crônica e esquece das vezes em que celebramos a “permissão” que reina por aí. Para quem pode, é bom esquecer.

Antigamente, tinha aquela possibilidade de piada, que era o cara dizer “sou maior e vacinado”, o que parecia deixar clara uma certa “permissão” para pequenas (e às vezes grandes) ousadias. Agora, com a escassez de doses contra o Covid-19, não faz muito sentido recorrer a essa alegoria. E marcar ponto nos botecos envolve um certo risco. Tem isso, também. Risco de vida, pode-se dizer, porque estamos falando da possibilidade de contágio. Não é todo mundo que pode correr tal risco…

Mas os balcões e seus atendentes-terapeutas seguem resistindo. Neste momento, aqui em frente ao escriba, há um desenrolo desses que fazem o calouro querer prestar atenção em todos os detalhes. Vale dizer “calouro” porque, para quem já conhece ao menos de vista o personagem que está ali em ação, sabe que a conversinha picareta se repete sempre e não leva a lugar nenhum. Vender cerveja requer doses gigantescas de paciência.

Mas uma série de promessas/esporros e desculpas, repetidas diversas vezes, seguidas por intervalos com suor, caras-vermelhas e confissões quase choronas merece registro. Enquanto se puder fazer isso dando a outrem uma provinha do gosto que há nesta brincadeira, que se faça. Vamos aproveitar as permissões que temos. Mas com responsabilidade. E antes que seja tarde.

Uma piada não precisa ser repetida inconsciente e insistentemente para correr o risco de gerar risos amarelos. E amarelo não é problema. Nem vermelho. O problema hoje em dia é verde-e-amarelo, isso, sim.

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Segundo tempo

Teve sorte: conseguiu parar o carro bem em frente à casa do maluco. Deu uma ajeitada no banco, mexeu nos espelhos e só depois disso tudo mandou uma mensagem, para dizer que já estava lá. Tinha tempo. Enquanto escrevia, e graças aos ajustes que havia feito no assento, percebeu que em volta dava para contar três outros veículos brancos estacionados por perto. Era difícil manter a concentração para digitar frases; preferia mensagens de voz. Por um momento, sorriu, pensando que o amigo talvez tivesse dificuldade para encontrá-lo, quando descesse com o pen-drive. Estava ali para resgatar arquivos importantes, mas não havia mal nenhum em dar umas risadas vendo o Porco indeciso sobre que direção tomar.

Eles se tratavam assim. Um era o Porco. O outro, Animal. Morricone, Banhão, Cezinha, Rocky e Arrombado completavam o time. Ninguém era bom de futebol. Com o Arrombado, era um problema, porque era um apelido/termo que usavam também como tratamento de um modo geral e ainda para demonstrar “carinho”. Era comum ouvir coisas do tipo “E aí, arrombado?” ou “Eu te amo, arrombado”.  Eram manés carinhosos. Tinha de tudo: os que não acreditavam mais em Direita e Esquerda e os que sentiam saudade da época em que se ensaiava uma revolução qualquer. Com os apelidos, sentiam-se num universo tarantinesco. Percebiam-se adolescentes. Havia inclusive quem se sentisse mais “macho”, caso do Rocky, e por conta disso os amigos precisavam tomar conta dele quando o encontro era em algum boteco e bebiam demais.

“Para encontrar diversão, você precisa estar disposto a encontrar diversão.” Foi disso que o Arrombado lembrou quando o Porco apareceu, de repente, quase lhe dando um susto, sem-querer-querendo. E aí, por cinco segundos, o abençoado-que-usa-o-veículo-da-firma sentiu-se um sujeito de sorte. Não tivera a chance de testemunhar o amigo perdido entre os vários carros brandos da área, mas a gargalhada havia chegado, anyway, com aquele quase-susto. Naquele parêntese, ali, sentiu-se um homem de sorte, por conseguir rir. As pessoas de um modo geral não andavam rindo muito. O Arrombado gostava de sentir-se alguém “fora da curva”.

“E aí, viu o filme?” “Vi, cara, e porra achei muito maneiro.” “A ideia era essa. A mina curtiu?” “Porra, supercurtiu.” “A ideia era essa.” “Quando é que a gente vai beber uma cerveja?” “Porra, tá foda esse negócio de conseguir parar pra beber uma cerveja.” “O amigo até tem conseguido de vez em quando sair cedo do trampo, né? Maneiro, isso.” Houve um momento de silêncio. Sempre havia. Parece até que esperavam por isso. E também como sempre acontecia um dos dois falou: “Porra, cara, eu te amo. É sempre um prazer ver o amigo.” Combinaram cerveja, acertaram churrasco, sacanearam o Morricone, reclamaram da mulher do Rocky. Repetiram a declaração de amor e se despediram, satisfeitos pra caramba com aquela meia-dúzia de bobagens que haviam dito um pro outro.

Quando o Arrombado ligou o carro para embicar na direção do Méier, percebeu um barulho estranho. Trabalhava com aquilo, com barulhos estranhos, e ficou feliz por ter aquela habilidade/sensibilidade. Desligou de novo o motor. Desta vez, não arrumou o banco para digitar a mensagem, que seria para a patroa. Estava treinando mensagens de texto. Queria avisá-la do problema na carroça da empresa, porque aquilo significava que, no finde, talvez não fossem viajar. Meio que para compensar, avisou que levaria um galetinho e cervejas bem geladas compradas na Marlene. Não queria confusão com a patroa. Não tinha tempo para isso.

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@monteiro4852 #41

Uma amiga disse que lá em Santiago, no Chile, estão fechando de novo tudo. No bairro dela, as coisas ainda estão funcionando. Mas ela teme que em breve isso vá mudar.

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Colagem / Pregação

Pode parecer bobagem, uma enxurrada de letras, num documento qualquer. Ou uma overdose de tretas. Segurança que é bom… necas! Primeiro, tem que se amar. A vida não é um mar de rosas? Ok. Mas pode ser uma cachoeirazinha, hein!? O tempo inteiro, você ali, gritando, quando de repente percebe que está sendo usado e nada mais. Nada mais. Nada mais.

Será que é aquela, a Rainha De Ouros? O Rei não precisa ser De Paus. Mãe que quer ver o filho sofrendo, tá louca. O galo canta todo dia. É bom parar pra pensar porque… …não passa de caô aquele caô de que “Não quero saber se o pato é macho, eu quero é ovo!” Pode ser que exista um caminho para quem ama. Tá difícil de enxergar? Levanta a cabeça, pô.

Assim ou assado? Pastar ou finalmente fugir do passado? Ninguém é melhor do que ninguém? Há verdades que podem ser ditas de maneira carinhosa. Para isso, é preciso fugir da repressão. Não queira agradar outrem. Os amiguinhos da escola, a família? Seja você. Fiquem com Deus.

Pode ser que aquela leitura tão recomendada não faça qualquer sentido. Ainda mais que sugerir que alguém leia qualquer coisa, hoje em dia, é sugerir murro em ponta de faca. Quer dizer, você pode falar com uma mula que esteja disposta a te ouvir. Mas quantas mulas você conhece? Muitas? Poucas? É difícil escolher o alvo. E conselho, se fosse bom…

Que silêncio, hein!? O vizinho faz bobagem, você aponta e ainda tem que lidar com caras feias. Assim mesmo, no plural, porque idiotas parecem cada vez mais capazes de influir/influenciar na vizinhança. Na cidade. No mundo. Tristeza profunda é um negócio que pode atingir qualquer um. Vizinhos idiotas, também. Quanta gente dormindo na rua, caramba.

Pode ser que tenha uma pessoa querendo falar com você. Mas focar na “tua” não vai atrapalhar em nada. Manter os ouvidos abertos, da mesma forma, dificilmente vai ser um problema. Se tem uma coisa nova no horizonte, dê uma moral, porque além do horizonte existe um lugar bonito e tranquilo pra quem quer mamar. Quantos anos mesmo você tem, hein!?

Compreender a si mesmo é o grande perrengue. Controlar o consumo de milk shake, em certas tribos, não é coisa que tire o sono de ninguém. Calor? Um mergulho resolve. Dor? Hora de perdoar a indústria farmacêutica, mas pode fazer isso sem anunciar no jornal? Ah, sim, jornal é uma coisa que praticamente não existe mais. Dois caras aqui da praça quem fazer isso, tipo brincar com o que não existe mais.

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@monteiro4852 #34

Vinte e quatro por sete. Ou Trinta e quatro por sete? Vai saber…

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A velha história

Já ouviu dizer que é preciso tomar um certo cuidado com o que se quer? Isso mesmo. Porque é possível que você consiga. Isso é sério.

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Bronzeado, o sonho

Aquela coisa do Verão. Quem vai ver? Todos verão? Mais do que aquilo que se mostra, faz diferença a “cor” em que as pessoas em volta acreditam, o brilho que veem/percebem. Tanto quanto umas boas horas sob o sol, vale escolher a maneira “certa” de se posicionar. Mais do que investir num tomara-que-caia, escolher a blusa certa com alcinhas bem finas. Assim no diminutivo mesmo. Sempre lembrando de rezar por uma estação que não seja de muquiranas enchendo a paciência de quem quer descarregar pisando sem chinelos na areia. Ah, a areia… nunca fica bronzeada, resiste aos raios. Raios, raios, raios triplos, nas imortais palavras do Dick Vigarista; porque vilão bom é o que perde sempre.

Quando não há necessidade de esclarecer nada, quando o desfecho está ali plantado e basta esperar o negócio crescer. Paciência, paciência. Mesmo se chover. A julgar pelos sorrisos de quem passa, a construção de uma consciência de calor. Quando a gente pode acreditar na Justiça e sabe que não precisa pressa. Pode haver precisão na pressa? E, ao mirar numa necessidade, o que se acerta são todas as arestas que fazem o perrengue ser perrengue e de repente — Bum! — fica tudo certo, tudo bem, tudo certo, tudo bem, tudo certo. O Verão pode não ser certo, mas o bronzeamento é.

Aquele cheiro de manifestação, aquela entrega livre de conflitos. Uma determinação descontraída e sorridente. Dois paus e a cobra livre, sugerindo ali a criação duma nova perspectiva do que são os direitos dos animais. Animais de esquerda. Animais de centro. Animais de direita. Pássaros com bicos que destroem gaiolas. Ratos e gatos trocando ideias, certos de que a cachorrada é indispensável e estará no time, em muito pouco tempo. Quem nunca sentiu vontade de latir, de uivar, diante de um fogaréu?

A pessoa e o próprio umbigo se entendendo como se fossem uma pessoa e o próprio umbigo. Aproveitando as doações que vieram com o melhor Axé, sem medo de dividir aquele segredo com quem quer que seja — porque não precisa mais ser segredo. Dinheiro pra pagar chope pra quem está sem. Todas as paçocas que a criança está vendendo, porque aquela é a última rodada dela neste tipo de empreitada, não a última da noite, mas a última-última-mesmo. Que pele, que pele, gente.

A música lá longe, a noite toda. A espuma na taça. O desejo vestido de monge. Uma série inteira precedendo o desmonte, alguém que não se esconde. O medo de parar. O horror diante do empate. A vitória que é pra ser geral. A gentileza ímpar, sorridente mas despretensiosa, convidando para mais um gole. O fogo. A faca. O porre. Bronzeada, a pele fica mais sensível. E nobre.

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Esperança

Dedo Mindinho, Seu Vizinho, Maior De Todos, Fura-Bolos, Mata-Piolhos. Continue cantando: “Cadê o docinho que tava aqui?” Agora, sério: se forem procurar um “culpado” diferente, em vez de deixar o Gato ir atrás do Rato, como sempre foi feito… a coisa pode ficar ruim para o Seu Vizinho! Pode apostar. Porque é um dedo aparentemente sem moral nenhuma. SV, coitado, parece que dá no máximo a sorte de ser confundido com SUV, que é aquele carro do playba que tem muito para gastar em seguro e gasolina. A ladainha pode piorar se estivermos falando do pessoal do andar de baixo: neste caso, os dedos do pé.

Será mesmo? Abaixo o coitadismo (esta palavra tão da moda). Dá para dizer que, assim como o classe-mediano motorizado vive de ilusões, o Seu Vizinho Do Pé circula bem menos coberto por esparadrapos do que o Mindinho. A comprovação estava no testemunho de um mané que, outro dia, num boteco, de Havaianas, exibia o menorzinho todo coberto por uma fôrma/armadura branca. “Foi o Magnetismo: o Mindinho sempre atrai a quina do armário ou a porta. Acontece demais”, repetia, com cara de quem ao caminhar experimentava ainda alguma dor.

“Fura Bolo” já foi até nome de picolé, lembra? Da (boa e velha) Gelato. Mas o SV, discreto, consegue significativo destaque, quase holofotes, nos encontros do pessoal grati-luz-descolado. Quando a terapeuta invariavelmente começa com aquela história de “levar ‘vida’ a partes do corpo que estão esquecidas”, ele, o Seu Vizinho Do Pé, leva tanta massagem e estímulos/carinhos quanto um irmão mais famoso (o Mindinho) e muito mais do que outro mano superpop (o Dedão). Sim, é com massagem e mimo que (quase-)místicos dão vida a partes do corpo que sofrem por conta do esquecimento. O cérebro pode mesmo ser um vacilão, né? A família de dedos comprova.

Pode haver quem aponte que o Seu Vizinho Do Pé na verdade dá mole por ser um dedo que mergulhou na timidez. Aquela história de o Sol brilhar para todos, manja? Vai saber… Outro ponto é que, se, por um lado, ele, o  SVDP, não tem tamanho de caçula, lugar/posto que pode garantir muitos privilégios vindos dos pais, também não fica sob o jugo de todos os outros irmãos. A gente sabe que irmão mais velho pode ser o cão, né? Esses dias mesmo alguém tava falando que numa família do Méier os três mais velhos obrigavam a mais jovenzinha a comer minhoca. Isso antes de a TV exibir “Jackass”.

Tudo bem que na hora de um footworship a chupação/adoração fique mais para outrem. Se há um dedo poeta, um “sofredor” capaz de emergir do sofrimento e revelar-se um habilidoso intelectual ganhador de prêmios, é sem dúvida o SV. Do pé ou da mão. Porque fora das historinhas já convencionais e infantis, como a famosa musiquinha cantada no início desta prosa, sobra a disposição/paciência, verdadeiramente uma necessidade de observar o mundo e com isso construir uma fábula diferente. (Que alguém entenda.)

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Meio miau

Existe o “caminho do meio”. E existe o “meio de uma crônica”. Você sente/percebe que está no meio de uma crônica quando, no carro em que te ofereceram uma bela carona, o motorista teve o cuidado de borrifar com álcool os pontos das portas em que os passageiros põem com frequência as mãos. Mais ainda: quando ele, o condutor, está todo esticadinho — o banco com o encosto num ângulo que deve ser de 90 graus e… O que chama mais a atenção: sai das caixas de som uma música que te leva para outra época. Uma melodia que sugere um filme de humor-verdade e, também, te convida a congelar, ali mesmo, antes da próxima curva, essa vidinha besta e veloz em que a gente uma vez por ano apaga velinhas.

A iluminação não passa necessariamente por saber pra quem vai o primeiro pedaço de bolo. Porque nem sempre tem guloseima e os esfomeados que desde a adolescência conhecemos precisam(os) engolir é esta (sensação de) “falta”. E que ninguém reclame, porque tampouco pros festivos cachaceiros que mais recentemente se agregaram deverá haver qualquer mimo. Na reta final de uma curta e cinematográfica viagem de carro, antes de descer do veículo fica o lamento pelo afastamento da tão sonhada companhia.

Lá vai ela. Após, restará a cada-vez-mais-velha-conhecida solitude, e é como se um segundo parágrafo se fechasse. Mas estamos falando apenas de um segundo parágrafo, não de um segundo capítulo. E é a hora de você rir de novo por ter que em meio à pandemia cortar um dobrado para explicar aos amigos que não, não vai ter comemoração porque aumenta a preguiça de fazer isso, numa época como esta.

Alguns passos depois, a confirmação. Pode ser um dia de muitas surpresas, este. E isso vai construir não apenas uma crônica mas, quem sabe, revelará palpites para apostar numa loteria, ensinamentos que te afastarão definitivamente do clube dos velhos babões e insensíveis que acham que podem tudo porque… porque podem pagar, porque vêm de circuitos em que sempre, desde sempre, tudo foi permitido. Desde é claro que você tenha aquele sangue ali. Quando uma crônica se mostra já em andamento, ela está te dando a chance de no mínimo melhorar as coisas. Agradeça por isso.

No aprendizado, nem sempre há conforto. Há dúvida, às vezes. Há testes que talvez ainda precisem ser feitos. E há novas dúvidas, escoradas por velhos medos e lembranças doces como a que vai ficar de uma carona acidental e acertadamente aceita. Você percebe que está no meio de uma crônica quando sente que, dali a dez anos, vai lembrar daquele momento e estará tomando por sentimentos doces e muito familiares. Inexplicáveis, doces e familiares. Você sente o miolo da história ao tentar fazer uma lista de desejos que inclui uma chance de gravar aquilo, de perpetuar alguma coisa mesmo que não saiba bem do que está falando.

“Você está triste?” “Como assim, precisa escrever?” Dependendo de onde vem a pergunta, dependendo do flow para a elaboração de boas respostas… Bem, a coisa pode sempre empacar, né? Na moral: é pandemia, pô! Tudo que você precisa é de uma taça fininha cheia de vinho e uma caneta com tinta bem preta para escrever “saudade”. Aí, é seguir em frente e esperar por uma nova folha. Que poderá não estar em branco.