A contemporaneidade levou a sério essa coisa baumaniana, a dos amores líquidos. Suspiremos todos, diante dessa vontade/capacidade classe-mediana de se adequar a certas teorias. Não dava era para imaginar que isso fosse assim, tão longe, né? Primeiro, o troço romântico perdeu a possibilidade de se desdobrar em longo prazo: não é pra durar. Beleza, entre aspas. A inteligentsia acha a solidão muito cool, seja na literatura, nos quadrinhos, no cinema. Descartável pouco é bobagem, vamos escrotizar com os oceanos, inclusive/principalmente o das (nossas) emoções. E, agora, neste dias em que o bom e velho “te pago um chope” tornou-se uma impossibilidade nas vidas de tanta gente, chegou a hora em que demonstrar preocupação e carinho se faz com uma frase do tipo “passa um álcool em gel, hein, quando chegar em casa…” Um novo papel para o álcool, um golaço pentecostal.
Os amores não estão líquidos. Estão liquidificados. O bagulho é pós-Bauman, além-Zygmunt; sentimentos batidos com abacate mais leite desnatado mais mel e mais aveia. Assim, fica verde. O vermelho perdeu a vez. Talvez em breve proíbam qualquer coisa com beterraba. “Comida subversiva!” O pessoal que se sente vítima da “cristofobia” denunciada pela presidência já deve acreditar que se trata de alimento de quem come criancinha. No século passado, você lembra, mastigar e engolir bebês, pré-adolescentes etc era sinônimo de comunismo. Ainda não se sabe como se diz isso, agora, no aperfeiçoamento pentecostal. Se alguém aí tiver acesso à cartilha deles, ou, melhor, se fizer parte de algum grupo de WApp em que haja um pastor, pode contar para a gente.
Tem a pandemia e a fome insaciável por dinheiro. Os amores se liquidificaram, se pá, porque o que importa é liquidez. Há quem se recuse a acreditar ou topar uma vacina, ainda mais se ela vier da China. E há quem nunca vai entender a devastação que pode causar um olho-grande. De uns dias para cá, o que alguns reaças mais esclarecidos pareciam ter escolhido como preocupação máxima era o direito deles de fazer piadas. Você aí que achou que fosse o amor, líquido ou sólido como outrora, pode tirar da cara a expressão de surpresa. Já não cabe mais fingir susto. Querer rir faz muito sentido: se você é bem alimentado, OK a gargalhada ser mesmo uma preocupação. Tanto faz se for em cima de uma minoria, de um bicho ou uma bicha ameaçadx de extinção. Rir era o melhor remédio. Rir agora é mais importante do que amar. Rir é o novo privilégio, o novo black. Amor é coisa de um passado “sólido” e remoto.
Agora, que só se permite ficar na calçada bebendo até as 22h, parece haver mais deixa(s) para um acordo mais amoroso entre diferentes defensores da “liberdade”. Que na verdade não passam de defensores do chope e da consequente gargalhada. Mas já é alguma coisa. Será que o Bauman conseguiria explicar isso ou é carioquice-terceiro-mundista demais para a Filosofia? Um viva para o líquido e a liquidez que unem a arrogância academicista e a truculência verde-e-amarela. Alguma coisa a gente tem que bebemorar.