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Mattoso contra as instagra(mes)mices

Tem essa história de os textos curtos  (e vídeos etc na mesma medida) de hoje em dia nos oferecerem/provocarem uma carga dopaminérgica viciante. Que nos torna preguiçosos. Porque a “satisfação” vem rápido. É um engole-e-cospe ou nem-digere-direito-mas-expele-logo de fazer gosto. Glauco Mattoso, no seu recém-lançado “Promptos Ponctos contos” (Editora Casa de Ferreiro, 2023), rema contra esta maré. Não que sejam demasiado longos, os 20 textos do livro. Mas é que aquela história de ele adotar a escrita revogada pelo Estado Novo, de Getúlio Vargas, em 1943, é uma tijolada desaceleradora e provocativa nas nossas fuças acostumadas com as instagra(mes)mices de hoje em dia. E isso é só o começo.

A “Nota introductoria” serve de aquecimento. “Fazer prosa poetica não é difficil para alguem ja callejado no verso decassylabo. (…) Mantenho o meu historico de bardo bastardo, goliardo, obsceno. Pouco me importo com os falsos moralismos. (…). Nossos tempos revivem a barbarie dessas eras antigas e desfazem illusões dum mundo mais humano que, durante algumas phases dictas democraticas, suppunhamos  que fossem ja conquistas da civilização. São peresciveis, contudo (…).” É isso mesmo, tem “y”, tem “ph”, tem “ll” e o diabo. É Mattoso matando a pau, como ele mesmo dirya. Ou Dyria. Dyrya, talvez? Tem coisa que parece que só Glauco Mattoso sabe.

E há tempos é assim. Décadas atrás, quando brincávamos todos de jovens fanzineiros-revolucionários, GM já era um pouco mais cascudo. Reconhecido como baluarte da poesia marginal, bom de lábia, ele (muito respeitosa e educadamente) nos convidava a uma troca. Mandávamos, numa folha de ofício, um contorno de nossos pés e recebíamos, por exemplo, uma edição do “Manual do pedólatra amador”. O livro tinha este título, na primeira edição (1986). Depois, o negócio mudou de nome, a despeito da correção (e “propriedade”, e “inocência”) explicada por ele para o uso daquela palavra na capa. Hoje em dia, é “Manual do podólatra amador”. Tem na Amazon, pra quem quiser ver e comprar. O autor pode ser considerado pervertido, mas não é bobo.

“O Manual…” tinha aquela pegada SM. Porque naquela época só se usava estas duas letras para se falar do que hoje se chama de BDSM. Os livros deste paulistano de 1951 passeiam muito por este tema/universo. E com “Promptos ponctos” não é diferente. “Ponctual caso de Myrlayne”, “Ponctual caso de Heloiza” e “Ponctual caso de Hamilton”, os três primeiros, deixam isso bem claro. “Bem claro” é o jeito de dizer, porque eles deixam é tudo bem sujo, na medida para o leitor apreciador desta estética fetichista. Vamos chamar de “estética fetichista”. Além disso, para quem é fã do Yoda de “Star Wars”, tem ali no miolo da prosa um jeito de escrever que parece trocar a ordem mais corriqueira das palavras, do mesmo jeito que faz aquele feioso mestre Jedi. Divertido fica.

A frequência com que aparecem personagens com deficiência visual faz crer que há algo de autobiográfico na obra. Ou fantasioso, com muito foco do autor no próprio umbigo. O que é bem Mattosiano. Prepare-se para um conteúdo bem XXX. Laranja-mecanicamente falando, um prato cheio. Pode ser que alguém reclame de “muita erudição”. Mas, pô, é o Glauco, e ele está nessa há muito tempo. A erudição, ou o que se pode chamar assim, fica em segundo plano. Em primeirão está a devassidão.

A escrita é um espetáculo à parte. Você tem que ler com calma. “Mandaram-me tirar a roupa toda, aptaram minhas mãos attraz das costas…” Olha esse “aptaram”! Os contos surgem dando a impressão de serem frutos de relatos obtidos pelo autor. Isso traz um verniz de, digamos, formalidade para o que é revelado ali naquelas páginas. Assim como um cheiro de mofo, de antiguidade. E junto vem um cheirinho de verdade. É tudo tão possível que às vezes se torna assustador. É Glauco Mattoso, o bom e velho Glauco Mattoso. Pronto para escandalizar e/ou satisfazer a tradicional família brasileira.

N.E.: @ed.casadeferreiro, no Instagram.

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Puxar, babar, lamber

Uma “atividade” parecia estar sendo especialmente prejudicada pelo isolamento social. A do Puxa-Saco. Ou do “Puxa-Sacos”, como parecem preferir os mais estudados. Atualmente, é mais fácil falar do Bava-Ovo, pra todo mundo entender. Mas os mais estudados, sempre eles, talvez prefiram Baba-Ovos. A questão não é o S, mas a puxação, ou babação em si. Virtualmente, isto é, pela web, a segunda “profissão” mais antiga do mundo parecia ameaçada de perder força.

O Puxa-Saco tem todo aquele jogo de corpo, né? Começando com o olhar pidão, detalhe que integra um semblante extremamente doador, com aquela dualidade que só os subservientes e interesseiros parecem ser capazes de colocar em prática. Como fazer isso online? Com as palminhas batendo, no WApp? Perde muito da graça. Um “hahahaha” ou um “rsrsrsrs” jamais terão a gosminha de uma gargalhada forçada após uma piada que nem era assim tão boa.

Uma vantagem que a gente talvez possa apontar é que, teclando, parece que se cria um contrato de babação, uma declaração de puxa-saquismo, a formalização daquela velha sem-vergonhice. É comum a gente voltar a uma mensagem para ter certeza de que o entendimento foi correto. É comum a gente ler um contrato, ou parte dele, para ter certeza de que é aquilo mesmo. Nada mais “normal” então do que dedicar alguns minutos à releitura de uma babação-de-ovo no Foicebook ou no WApp. Para em seguida perguntar-se: é isso mesmo, é pro mundo inteiro ver e entender que é babação descarada?

Os protocolos internéticos, aquelas coisas de atenção aos momentos em que se usa caixa alta, as carinhas, os “risos”… tudo isso criou uma “gordura” para a linguagem que pode ser bem aproveitada pelos bajuladores de plantão. Estamos vivendo uma época de divisão de águas. Agora, veremos sobreviverem e se sobressaírem os babadores realmente sérios e comprometidos com a “coisa social”. O Pusa-Saco entra finalmente no século XXI, diferenciando-se do Pela-Saco, que — vale explicar — parece ser a evolução quase natural do Puxa-Saco que se deixa tomar pelo ódio.

A contemporaneidade/inteligentsia ainda não achou resposta para a questão de gênero. Falar em Puxa-Saco traz uma perspectiva muito masculina. Na busca/luta por igualdade, precisamos dar a todEs a chance de serem escrotEs. Talvez Lambe-Botas, hein? Mas aí fica muito old-school, né? Tem a pegada fetichista/BDSM, mas é muito old-school. Para sobreviver, o puxa-saquismo precisa continuar evoluindo, como tem acontecido, agora; não voltar atrás…