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Velocidade

O cara leva um dia inteiro para entender que precisa colocar nas redes sociais um adesivo que o qualifique como antifascista. Veja só, um dia quase inteiro correndo o risco de ser considerado um “antifascista lento demais”. Para dizer o mínimo, porque a era da pós-verdade também é a dos julgamentos-velozes-e-furiosos. A pandemia estava aí, quem diria, também para ensinar as pessoas a serem mais rápidas. Na manhã seguinte, senso de interpretação já mais aguçado, fica fácil o cidadão da internet perceber, após ver 17 perfis exibindo um quadro completamente preto, que tem alguma coisa no ar para ser entendida/seguida/comprada.

É hora de pintar tudo de preto, não de pensar em música e em cores? Teve uma artista plástica, muito engajada, por sinal, que parece que sem querer querendo furou isso. Não que ela discorde da #blackouttuesday, mas é que o trabalho que vinha sendo elaborado há semanas por acaso é bem bem bem colorido e no impulso ela publicou aquela imagem. Deve ter acordado cedo demais, antes do início da onda de quadros pretos. Ou foi dormir tarde, ontem. Teve um feedback positivo, talvez por ter mais tarde pedido desculpas, o que prova que as pessoas, isto é, algumas pessoas, são capazes de apertar o botão do preto e o botão das cores, nas horas certas, sem que isso se transforme num problema. Outra lição da pandemia: manter a concentração e o esforço para conversar.

Claro que não é sempre que dá para levar um lero. Já deu tempo de ver em ação quem tentasse conduzir essa pauta do preto nas telas com uma argumentação, digamos, técnica. Um papinho de que “preto é ausência de cor” e “branco é a soma de todas as cores”. Pouca coisa é mais irritante do que ver alma sebosa tentando se dar bem no palco. Se isso já é chato em dias “normais”, imagine num período de exceção…

Essa história de blecaute também pode levar a gente a pensar em sons. Tem as esquisitices eletrônicas — no bom sentido — de sempre. Mas essa onda toda de violência, que às vezes pelo menos em pensamento é capaz de nos levar ao século passado, quase ainda ao retrasado, pode nos fazer também revisitar clássicos. Como “Paint it, black”, dos Stones. Se for para voltar ao passado, vendo as fascistices do Poder ferrarem a cabeça da gente, com medo da polícia de um lado e do web-tribunal de outro, façamos uma viagem que ao menos tenha trilha sonora.

Por mais mainstream que seja, Stones merecem uma chance de nos embalar/ajudar aí. Richards e Jagger erraram e acertaram muitas vezes. “Paint it, black”, com certeza, é um dos acertos. E se o engajamento no protesto pode, de alguma modo, valer-se da oportunidade para promover algo, digamos, poético/colorido, que a música — sim! — entre em cena. Né? Que ela seja ouvida e sentida. E que os corpos e almas que estão sendo baleados e sufocados tenham uma chance de vibrar sob versos e acordes inspiradores — para eles e para os que ainda estão vivos.

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Sonhar é permitido

Junho de 2021, hein…!

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Tum!

Sabe o surdo? Tem aquele abatimentozinho provocado pela cuíca, mas é o surdo que pode definir os contornos de uma tristeza mais absoluta, um desespero sem saída, uma saudade aparentemente sem cura. É o surdo, ou — surpresa! — a falta dele, que faz o cara parar e pensar. Surdo é parada, é intervalo, é um mergulho num hiato muito breve que pode te afogar pela eternidade.

Os carnavais acabam. Conforme-se. Há quem defenda agora que não devíamos ter tido a folia do início deste ano. Agora é tarde. Porque ela já aconteceu. Se fizesse sentido falar no que não deveria ter acontecido, gente, o mundo seria ainda mais confuso do que este que você está testemunhando aí, ó. Se fosse para brincar de túnel do tempo, não é o carnaval deste ano que este escriba tiraria do mapa. É “mapa” que se fala, quando a referência tem a ver com a linha do tempo? Calendário?

Sempre existirão as questões que lhe são caras e que, pra outrem, não passam de cagadas. Maturidade, ou “a fina arte de aprender a tocar o surdo”, pode ser o estágio em que você aprende a não relativizar isso. E a não se preocupar. Porque relativizar é o de menos, ainda mais na hora em que você pensa que pode estar no caminho da morte.

Pizza e surdo combinam. Porque a base superior do instrumento — bem ali onde se bate — pode servir de bandeja. Nesse sentido, combinaria com qualquer alimento. Mas é que pizza é aquela coisa da qual a gente pode pegar uma fatia com as mãos (bem lavadas, claro) mesmo e comer sem muita cerimônia. Ainda mais se o comilão for um ianque. Está para nascer gente tão despreocupada com a maneira de comer pizza. E isso não é um ponto contra eles.

Em Botafogo, anos atrás, um casal discutia sobre a divisão de uma pizza. Não era bem uma discussão, mas, sim, um cara sendo acusado de comer uma última fatia sem autorização. Entre os intervalos na ladainha da acusação, quase dava para sacar as batidas de um surdo. Pizzas mal divididas podem dar em fins de namoros. Mas são as batidas de surdo que tornam dolorosas fins e despedidas — mesmo as que vêm de surpresa. Ou que não foram anunciadas. O surdo sempre está lá. Tum…!

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:)

É muito fofo, quando logo pela manhã na segunda-feira um amigo do segundo grau te manda um vídeo do Napalm Death. Muito fofo mesmo: cover de um clássico do Sonic Youth! Só um camarada das antigas sabe do que a gente gosta, do que a gente sente saudade. Os vídeos de mulher pelada estão mesmo em baixa, durante a pandemia. Ou essa onda toda de doença mudou de fato a cabeça das pessoas. Valeu, Macaco Louco.

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Gostinho de hoje

Anderson Badaró e Junior Abreu são velhos conhecidos. Já até fizeram live juntos no Instagram, veja só. Mas, melhor do que isso, são dois caras que insistem em compor. Cada um separadamente soltou uma música que estava lá engavetada. E elas — coincidentemente — ganharam o mundo com um ar de atualidade que chama a atenção da gente. Parecem ter a ver com a época que estamos vivendo: “Eu direi apenas coisas que você quiser ouvir”, do Verbase, e “Vai passar”, da Ursa Maior. Soam “atuais”, sim, ou “bem contemporâneas” por causa de seus títulos, suas letras, suas densidades…

Mas não são de agora. “Eu direi apenas coisas que você quiser ouvir” é de 2002 e acabou não entrando em nenhum disco. Ganhou vida agora depois que Badaró montou um estúdio e conseguiu trabalhar melhor umas coisas que vinha matutando. A faixa deve entrar num disco que ele espera lançar até o fim do ano. “Vai passar” é um pouco mais nova, tem cinco anos. “Profetizei, sem querer, cara”, brinca Abreu.

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Psicodelia pouca é bobagem

Luke Schneider: “mundi tuum est”. O mundo é seu? Mesmo? Chupado da página da Third Man Records:

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Pop, o cachorrão

Imagem: Maurizio Cattelan

Iggy Pop sempre foi meio cachorrão. Feroz. No sentido rock’n’roll. O que é um “bom” sentido, na medida em que, bem, rock é só um troço que se consome aí como também se faz com clássicos, axés, emepebês etc. E, talvez por ser cachorrão, era fácil lembrar logo da maravilhosa “I wanna be your dog”, quando se falava dele. E não é que, no projeto “Bedtime stories“, para o New Museum (NY), ele dá o pontapé inicial lendo um trecho em que só falta latir…!? Vai ser mais fácil a criançada ficar com o olho arregalado do que pegar no sono, depois de ouvi-lo.

Imagem: Maurizio Cattelan

Por trás de tudo está um cara chamado Maurizio Cattelan, que meses atrás foi aplaudido por colar uma banana numa parede usando fita adesiva. O New Museum fica em NY, pelo que diz o Google, e foi inaugurado em 1977, na Bowery —  mesma via em que ficava o CBGB. A gravação faz parte de um desses projetos que oferecem uma coisinha digital a mais para a humanidade suportar o período de isolamento pelo qual está passando. Um bando de outros artistas vai participar do projeto, incluindo David Byrne (sabe?), Jeff Koons (o do coelho de 90 milhões de dólares) e Raymond Pettibon (aquele que fez a logo do Black Flag).

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Bem-vindos ao caos (porque há muito amor aqui)

Zé Sem Nome fez um favorzão a todos nós, nestes tempos de pandemia: lançou no sapatinho um segundo álbum. Parece estar — o que é um direito dele — tirando aquela onda de “Ah, tinha material sobrando…” Agoniado, bem-humorado, poesia-tapa-na-cara, porradeiro… Assim é “Falando com as bases”, que vem à luz podendo ser considerado tanto sequência quanto tipo um complemento do anterior — o sensacional “Parece RAP”, de meados do ano passado. “Fala javanês” foi eleita pelo ex-baixista do Zumbi do Mato, o agora Zé Sem Nome, como o primeiro single. Está lá no Spotify, para quem quiser ficar de boca aberta.

Na pasta das “crônicas”, além da primeira música de trabalho, você pode colocar “Rei Momo” e “Protesto R.J.”. Nesta, tem uma frase lá que pra muita gente define como poucas a cidade outrora maravilhosa: “Essa merda é o Rio de Janeiro.” A despeito do exagero, porque é também uma cidade onde surgem artistas inquietos e cheios de verdades pra jogar nas nossas caras, só esta sentença já dá vida à música. Mas o negócio vai muito além. “Rei Momo” é bem-humorada: você pode rir por exemplo quando ele anuncia um solo de guitarra.

Por falar em verdades, ente encarar “Amor perfeito”, uma bela prova da firmeza do discurso do cara. Nesta, o ouvinte tem a chance de imaginar ZSN como um bamba daquele esquema que há algums anos estava tão na moda, o stand-up comedy. Neste segundo disco, é um dos melhores momentos dele como intérprete, com plins e plons que os teóricos aí da vida podem até chamar de referência oitentista.

Falar de amor amor mesmo é coisa que ele faz mais em “Swing loco”, que com um título assim pode de cara ser julgada como uma… sacanagem! É isso sim um mergulho na poesia. Pode rir, pode desconfiar, leitor(a), mas tem isso. Versos como “Sexo sem camisinha / Brincadeira de canibais / Swing loco…” fazem a gente pensar que Zé está in love. Apaixonado pelo caos (?). Talvez. “Swing loco”, “Ilhas” e “Sopa de piranha” são parcerias com Renato Pittas, que já deixara sua assinatura na melhor faixa do lançamento anterior (“Lost”). A capa desta vez traz a marca de Márcio Jr., integrante da banda Mechanics e manda-prender-e-manda-soltar lá em Goiânia.

“O povo tá doente” não faz de ZSN uma Mãe Dinah de última hora. Com sua melodia, ela se separa um pouco das outras. O que também acontece com “Ilhas”, que sugere uma digestão mais fácil. “Ilhas podem ser oásis no meio do deserto disfarçadas de miragem” é um bom refrão. Antigos fãs de Los Hermanos ou até mesmo gente mais cascuda,  como admiradores de Legião Urbana, deviam dar uma chance pro Zé. Não se decepcionariam.

“Rosto de rico”, também sombria, carrega uma roupagem bluesy. Nosso homem-caos-da-vez até brinca com isso, cantando “Segura aí… Virou um blues…” Mas não fique achando que ele explica todas as “piadas”. E tampouco que tudo é gracinha. Se tem uma sensação que fica depois da audição é de que há muita, muita coisa escondida naquela avalanche de palavras. Não basta uma audição. Com sotaque bem carioca, fica ótimo ouvir o cara provocar: “Eu tenho rosto de rico / A sorte que eu tive meu deus fiz miséria / Vamos nós sorrindo, dando beijinho e sem destino.” O amor ressurge aí como assunto e, além disso, parece haver uma ligação com “Sopa de piranha”, que aventureiros irresponsáveis poderão considerar uma provocação às feministas de hoje em dia. O que seria um perigo.