Olha o Zé aí.
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Todo esse papo de ressignificação e, na banca, para mais uma confirmação, jornais para… para quem quer manter a rua limpa. Pro classe-mediano-responsa-e-revolucionário, pra esse cara fazer bonito e tirar dali o cocô lindamente liberado pelo cachorrinho. Assusta um pouco que haja gente que largue porcaria no caminho dos outros? Sim, ainda. Ainda há. Mas beliscão maior nesta era ressignificativa é ver um pacote de jornais, embalados em saco plástico, para serem usados meio que como papel higiênico. Sempre se falou de como o noticiário impresso naquelas folhas enormes quase que invariavelmente será/seria usado, no dia seguinte, numa feira, como embrulho de peixe, mas… Abrigar cocô de cachorro é o fundo do poço.
O bêbado aqui da calçada também estava querendo dar uma nova perspectiva para sua ressaca. Chamou a desagradabilíssima de “momento do beijinho”. Ele tratou de se explicar, vendo-se diante de caras/máscaras muito inquisidoras: “É que a receita pra curar esse bagulho, no dia seguinte, é fazer um suco com frutas vermelhas e batizar co’um beijinho de vodca, antes de bater…” A pergunta seguinte poderia ser a respeito das frutas vermelhas ele gostava de usar. Mas quiseram saber a marca do destilado que ele adicionava, como se a garantia do milagre estivesse ali.
Lugar bom pra ressignificação é mesmo balcão de bar. Ou mesa de bar. Ou a calçada em frente a um bar. Neste inferno que é o Rio de Janeiro, nem sobre a temperatura da cerveja o pessoal se entende. Já sabemos, porque estavam dizendo outro dia, aqui em frente, que usar a expressão “canela de pedreiro” nos dias de hoje não pega bem. Por enquanto, você ainda pode dizer que a garrafa está “mofada”. Por enquanto. Até aí, ok. Mas voltando ao inferno que é o Rio, no que diz respeito ao calor, uma regra básica deveria ser ver as garrafas sendo servidas no modo “estupidamente gelada”. Aí, se o cara está bebendo uma artesanal ou algo assim, se para ele é importante saborear a bebida numa temperatura mais “alta”, beleza: espera um pouco e esta temperatura será alcançada. A grande maioria das pessoas quer a “mofada”. E não vão ressignificar esta preferência. Não aqui no Inferno.
E aí surge outro problema: acreditam que o “mofo” vai durar para sempre. Acreditam no caô da “camisinha”. É, “camisinha”, aquela capinha para proteger a garrafa e o precioso líquido, com a promessa de que vai manter a temperatura. Nenhuma temperatura aqui no Inferno, que parece o Rio, pode ser mantida razoavelmente baixa/refrescante por mais de alguns segundos. Aí, o guerreiro da luz ressignificante pede uma gelada e, depois do primeiro copo, vai e reclama da temperatura da ampola. Na era da ressignificação, pilotar um balcão requer mais do que sintonia. Precisa mesmo é da boa e velha paciência.
Também se fala muito dos novos contratos entre namorades. Entre os mais cascudes, há quem aponte aí não uma simples ressignificação, mas, sim, uma ressignifornicação. “Eu quero ser livre”, diz um. “Marquei de ficar contigo mas vou aproveitar o carnaval para viajar pra um lugar lindo que descobri com amigues…”, desculpa-se outrem. Aí, é quase uma dupla mudança de significado, porque este ano, oficialmente, o carnaval não ia existir mas no fim das contas será dobrado: então, tudo o que acontecer neste período, ao pé da letra oficial, poderá ser tomado como pura ilusão. Para o bem ou para o mal, dependendo do significado que apesar de não valer para nada pode continuar marcando a alma de muita gente por aí.
@monteiro4852 #84
“É só uma dorzinha de cabeça. Coisa que a gente sente. Ainda mais quando bebe estando ainda em jejum.”
Chegou adiantado mas preferiu não ver como estava o paciente. Foi para a cozinha do lugar em que trabalhava. Queria comer um pão. Vinha fazendo contas, desde cedo, naquele dia, e continuava, ali, tentando não olhar para uma pia que estava sempre imunda. Para fugir daquela imagem, pegava pedacinhos de miolo e enfileirava bolinhas como se construísse um ábaco. Se o velho tivesse melhorado, teria tempo para continuar nas investidas pelo aplicativo e, com sorte e empenho, conseguiria marcar uma saída para aquela noite, ainda.
Não era medo. Era um troço estranho. O troço estranho atrapalhava a concentração e fazia com que seus músculos ficassem enrijecidos. Troços estranhos deixam a gente mais apreensivo, como que anunciando que alguma tragédia está prestes a acontecer. Troços Estranhos, sempre eles. Poderia ser uma Grande Merda. Mas achava que se tratava só de um Troço Estranho. Se pá: Trocinho Estranhozinho. Mas é que mesmo no diminutivo eles bastam/bastavam/bastariam para, por exemplo, impedir que um encontro noturno acontecesse.
Fazia contas joão-e-mariamente, com o auxílio do miolo do pão. Não queria correr riscos. O que deveria fazer? Tinha que encarar o problema, respirar fundo diante de eventuais perrengues e… Talvez rezando, os bagulhos se resolvessem. Foi o que pensou. E rezou. Rezou. Rezou. Depois de um tempo, cansou de rezar e foi até o quarto. Precisava ver como estava o velho. E quem sabe, depois de tanta reza, fosse possível no caminho encontrar os troços estranhos e dar cabo deles. As rezas eram rápidas, o que alimentava sua insegurança. Achava que para funcionar as rezas deveriam ser mais longas. Mas só podia usar as rezas que tinha e estas, no caso, eram todas curtinhas.
Era difícil para aquele senhor de quase 90 anos ajeitar-se sozinho na cama. Mesmo assim, com as pernas meio que penduradas, ele achava conforto e tranquilidade para mergulhar no sono. O enfermeiro viu aquilo e se perguntou: “Será que os troços estranhos andaram por aqui e puxaram as pernas do velho para fora da cama?” Ficou na dúvida sobre se aquela era ou não uma posição inadequada para o paciente.
“E se a filha dele chega aqui e vê o mulambento desse jeito?” Foi a questão que surgiu. E, com esta, até conseguiu lidar. Mas, se estivesse diante de um sinal, deveria fazer alguma intervenção? Sabia que invariavelmente os sinais lhe seriam apresentados e que tudo dependia de uma boa interpretação. Tudo, no caso, era a solução, o prêmio para o fim daquele dia de expediente sofrido. Começara no serviço havia poucos minutos, mas já sabia que seria uma jornada de dor. Dor para ele. “O mulambento que se vire…”
Vendo as pernas tortas do coitado, era certo que as coisas não se ajeitariam sozinhas. Meio amasadas, meio penduradas, meio traduzindo desconforto, meio rígidas demais, meio fazendo dele o coisa-ruim. A inadequação daquele senhor colocava tudo em xeque. Eram tantas perguntas que quase esqueceu dos remédios. Os dele e os do velho. Os dele, tudo bem, tomaria e pronto. Mas teria que cutucar aquele corpo mal-ajambrado, teria que lidar com um ensaio de lucidez daquele monte de pele e ossos… Estava quase desistindo do encontro. “Vou pedir pra sair dessa porra! Isso, sim! Não, pra mim, não dá mais…”
O sol entrava pelas frestas da janela. Fazia com que novas ideias surgissem. E com que remédios fossem tomados, como se fosse aquilo a rotina mais normal do mundo, solução até para ameaça de meteoro. Numa manhã como aquela, depois de dias de chuva, aquele brilho amarelo oferecia o brilho de um prêmio. Lembrou de uma outra reza, ensinada por uma amiga de uma religião diferente, uma reza que falava sobre o sol. Quis “pegar” aquele sol. Quis agradecer a amiga por ter ensinado a reza. E, quando percebeu que quis isso, sorriu.
Ouviu ao longe a descarga de um banheiro. Mais longe ainda, uma maritaca. E bem perto percebeu que o velho abrira os olhos, babava, sorria e falava com dificuldade: “O sol…” Arrumou as pernas do doente, então, sem medo de que a disposição anterior delas fosse um sinal do Mal. “Será que esqueci alguma porra de remédio?” O velho babou ainda mais, seguiu sorrindo e conseguiu forças para falar ainda mais alto: “O sol…” Naquele instante, o enfermeiro retribuiu o mostrar de dentes e teve certeza de que não ia dar merda, à noite. Teve certeza de que teria um bom encontro. “Bom dia, velho”, disse, para ouvir de volta o costumeiro “Velho é o caralho…”.
@monteiro4852 #83
Você ainda está pensando em resoluções de ano novo?
@monteiro4852 #80
E aí, o que você me diz? Como está este otimismo, hoje?
Sofria com aquela bobagem de esperar alguma coisa dar errado, sabe? Ela era assim. Falou sobre isso com o cara. E comentou que naquele dia estava experimentando um prazerzão. Viu os olhos dele ficarem diferentes e continuou: “Você concordou com o lance que sugeri e aí… É que eu sou meio louca, entende? Fica tudo pior, na vida de uma louca.” Teve certeza de que o parceiro não havia sacado nada. Pegou dali e insistiu: “Quando a gente está feliz, ou pelo menos acha que está, o que dá quase no mesmo, a mana que é meio louca acha que vai acumulando pontos que lá na frente vão dar numa grande M.” Tinha acabado de ter a sensação, ela, de que aquilo tudo era bobabem e, melhor, de que estava esquema-tudo-tranquilo. Isso porque havia lido a mensagem do sujeito em que ele dizia “Ok, vamos viajar, neste fim de semana”, e manteve os batimentos numa levada razoável, sem precisar do respira-calma-concentra-respira-calma. Mais: ficou serena e feliz. Usou até a palavra “Feliz”. Fez uma pausa e se comentou: “É estranho falar ‘mana’? Mulher pode falar ‘mina’, né?”
Tinha pensado que aquelas dores que andava sentindo representavam uma chance de alcançar aquilo que a humanidade como um todo não tinha conseguido, mesmo com a pandemia: melhorar. Chamava de “pandemia própria”, a sentença do médico, que indicava a necessidade de um “pequeno procedimento cirúrgico”. Sofria com isso tudo e se escorava na vontade de brincar de ser artista. Anotou uma frase — “O sonho da pandemia própria” — e prometeu transformar aquilo num cartaz, assim que estivesse recuperada. Rapidinho, deixou escapulir: “Não, não é pra gastar mais dinheiro, porra!” Também em relação ao tratamento tinha medo, mas achava que havia mesmo uma chance de vencer aquilo. E fez mais uma promessa a si mesma: de escrever aquela máxima nos banheiros femininos dos botecos que tivesse a sorte de frequentar, num futuro próximo. Tinha aprendido com o namorado a se divertir com canetões.
Pixies, Martinho da Vila, Blur, Gal, Beatles, Novos Baianos, Nação Zumbi, Cake, Céu, Breeders, Miles Davis. Ouviu coisa pra caramba, na véspera do feriadão. Achava que com música construía um clima, tornava uma cena mais palpável, aliementava uma esperança, passava o tempo, esquecia a culpa, resistia ao respira-calma-concentra-respira-calma, aproveitava mais o respira-calma-concentra-respira-calma, preservava a libido, bloqueava sugadores anônimos e outrem nem tão anônimos assim, controlava as despesas com chocolate e castanhas e vinhos e queijo, aceitava os banhos quentes nos quais quase invariavelmente achava demorar mais do que devia. E o que parecia melhor que tudo: resistia à ideia de ter um gato. Tinha conversado com o namorado sobre Led Zeppelin e ficou incomoda com a zoação do cara, que classificou os tiozinhos como metal farofa. Quase ficou puta. Mas sorriu quando ele pediu perdão, explicou que ela era “muito nova pra gostar de Zeppelin” e disse que topava ouvir o álbum favorito dela. Já estava clareando, quando combinaram isso, antes de uma nova agarração e da chegada do sono. Pensou em arrumar confusão dizendo que Dead Kennedys também é som de velho. Antes de dormir, lembrou do médico e do tratamento. Pensou na vida curta. Queria ter coragem para levantar e tomar um banho quente e demorado. Queria dormir só quando o sol já estivesse alto. Mas ficou ali com o cara. “Ainda bem que ele não ronca.”
“Não precisa de acompanhante, não. Você vai se internar na segunda logo cedo e no dia seguinte já deve estar liberada.” Foram as palavras do médico. Ela não entendia como tinham conseguido marcar tudo tão rápido. E por que não precisava de acompanhante? Será que o boy insistiria na ideia de acompanhá-la? Será que não haveria chance de novos banhos quentes, num futuro próximo? Queria ter a chance de aproveitar a água sem culpa. Já não acreditava na polarização na política, evitava hambúrgueres na loja do palhaço, às vezes abusava do vinho, queria ter mais tempo, precisava de mais tempo, não era justo que tudo terminasse ali daquele jeito, sem que tivesse ouvido sequer um álbum do Led Zeppelin com o maluquinho. “Caralho, tô chamando o cara de namorado. A gente tem que tomar um banho quente juntos. A gente já morre, todo dia. Mas é pior quando a gente se mata, todo dia…” Respira-calma-concentra-respira-calma.
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@monteiro4852 #64
Quanto você pesa?
Parou ali, no Café Gaúcho, na volta de Niterói, aquela cidade escura, e quando percebeu já estava bebendo um. Conseguiu resistir aos sanduíches, aos rissoles, às empadas. A ilha do cafezinho, que mesmo em tempo de pandemia fica bem movimentada, durante o dia, já estava fechada. Era quase noite. Ou já era noite. Tanto faz, como tanto fez. Se desse alguma merda no estômago, como vinha acontecendo, a culpa seria só do goró. Nada de rissoles. Sempre é mais fácil, assim, quando a gente tem certeza do que ou quem deve condenar.
A questão não era complicada. Era aquela escrotice de quase sempre. Dinheiro, trabalho, compromissos, responsas. Outra condenação certa. Para compensar, havia a mensagem do Lúcio, que merece ser chamado de Mister Prata. Oferecendo ajuda, falando dos perrengues que ele mesmo andava encarando, das cervejas que eram cada vez mais raras. A mensagem do Mister Prata tinha sido a companhia ideal para a travessia de barca. Um percurso que, à noite, de Niterói, aquela cidade escura, para o Rio, aquela cidade que é o que mesmo, hein?, bem, de Niterói pro Rio, a mensagem do cara tinha sido a companhia ideal porque vinha recheada de ideias para um zine. Pra um livro. Pra uma conversa.
Foi uma quase-conversa. E serviu para um entendimento importante: não é só no táxi que é difícil digitar ou jogar xadrez, no celular. Na barca, quando a gente faz o percurso entre a cidade escura e a cidade sobre a qual não se deve falar nada, porque é a cidade da gente, deu pra perceber que mesmo com pouca trepidação é muito difícil se entender coa’quele tecladinho. Assim como é muito fácil errar a jogada no xadrez e fazer besteira numa partida que parecia possível vencer.
Não deu pra resistir por muito tempo. Uma empadinha faria, no máximo, o papel de disputar com a bebida o posto de vilã. E a gente não espera isso de uma empada. Quem quer ser vilã ou vilão? As empadinhas estão sintonizadas com o que rola nas redes sociais, querem só parecer boazinhas pra todo mundo. Conseguem. Para um estômago que já estava mesmo embrulhado, tudo bem, né? Uma segunda tulipa. Uma terceira, junto com o pensamento de que uma bala de hortelã seria necessária para evitar problemas. Problema é aquilo que vem depois de um bafo inesperado/inadequado de cerveja. Quer dizer, quando é só um bafo, tudo bem. O problema é isso na cara de outrem.
Pelo que diz o vídeo de agora, no YouTube, as pessoas na Grécia também têm problemas com bafo de cerveja. Como serão as balas de hortelã de lá? Ou o que será que usam para evitar problemas, naquela parte do planeta? Medo de andar errado, uma preocupação extrema, quase paralisia. Não dá pra caminhar e vr vídeo. Porra, mas três chopes, só, e isso ficou assim desse jeito? Foram mesmo só três chopes? A pergunta se repetia mais do que os anúncios no YT, antes de cada música. Na esquina escura-mas-clara, porque era uma esquina do Rio, ou clara-mas-escura, porque era da cidade que de uma maneira ou de outra sempre acolhe. Mesmo que seja uma acolhida para na sequência conduzir a um quarto em que os spankings de revistas alemãs antigas parecerão fichinha diante do placar marcado no lombo do cordeiro. Sete a um. Dez a zero. Um a zero que seja, porque o que vale é ganhar.
Tem sempre alguém dando palpite na orelha da gente. Quase nunca é uma pessoa equilibrada. A gente suporta porque palpite, geralmente, vem baixinho, disfarçado de conselho. Sempre é necessário ter cuidado com os conselhos que pipocam por aí. Alguém que não tem coragem de agir deveria concentrar-se na própria covardia, apenas, em vez de encher o saco do resto da humanidade. Quatro chopes. Cinco chopes. Foram seis. Seis chopes.
@monteiro4852 #63
Algumas horas de atraso.