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Codinome Dondoca

Se você é duma geração que teve a sorte de assistir ao “Agente 86”, deve lembrar de quando no seriado Maxwell Smart, aquele do sapatofone, recomendava ao Chefe o uso do Cone do Silêncio. Era um dos melhores momentos dos dois. O ator Don Adams nasceu para aquele papel, o de espião do Controle. O nome da agência deles era Controle. O Chefe, vivido por Edward Platt, ficava doido, quando Max sugeria o Cone para que tratassem de algum assunto sério. Era o protocolo, mas o Chefe sabia que o dispositivo não funcionava bem. Eles gritavam, dentro daquele troço, e não se entendiam. Era como se o Cone do Silêncio fizesse justamente o contrário do que deveria: em vez de proteger uma conversa, fazia com que ela fosse revelada ao mundo. Mais ou menos como um aparelho de celular pode fazer, hoje em dia.

Pode, sim. Olha só. A moça começou falando tranquilamente, mas parecia querer manter livres as mãos. Para poder beber sua água mineral gasosa cara, brincar com o cachorro que a acompanhava, mexer toda hora no cabelo na tentativa de impedir a ação do vento que teimava em deixá-la despenteada… Sabe-se lá. Ela então fez com que o aparelho funcionasse no modo viva-voz. Isso, depois de aparentemente encontrar já, antes, certa dificuldade para ouvir e ser ouvida pela pessoa que estava do outro lado da linha. Antes do modo viva-voz, ela tentou o esquema de encostar/grudar no ouvido a borda menor do retangulozinho mágico. Como se fosse inserir o aparelho na cabeça, através da orelha. Não rolou.

Era cedo, ainda, mas já se podia ver na rua outras pessoas, também com seus cachorros e garrafinhas de água, além, claro, de seus próprios e maravilhosos retangulozinhos mágicos. Se havia ali algum sortudo da Era Maxwell Smart, certamente lembrou do Cone do Silêncio. Como que para manter o clima de agência de espionagem, nasceu naquele momento um codinome: Dondoca. Melhor: Dondoca Smart.

A Dondoca Smart falava quase aos berros, mas mantendo o que se podia chamar de “elegância”. O vento e a garrafinha verde de vidro contribuíam. A missão revelada por ela era ajudar a organizar a festa de aniversário da avó. Soubemos logo em seguida que a coisa toda acontecerá em Brasília, para onde irão primos, primas, tios. Não se falou em cunhados ou cunhadas. Vai ser em outubro. E “vai ter até ministro”. Se alguém da Caos — a agência rival/inimiga do Controle — estivesse ali, teria pescado informações preciosas.

Outra grande questão que se apresentou foi sobre a hospedagem daquela parentada toda. Foi nesse momento que a Dondoca Smart entregou um ponto fraco. Preocupava-se com o conforto das pessoas mais velhas. Pelo menos de uma. Isso ficou claro porque, ao falar do assunto, debruçada sobre o retangulozinho mágico que repousava naquela mesa de concreto, numa praça pública, insistiu com firmeza: “Tem que ver onde a tia Gertrudes vai dormir. Tem que ver onde a tia Gertrudes vai dormir. Tem que ver onde a tia Gertrudes vai dormir.” Alvo fácil para o Caos, quer dizer, a Caos. Uma Dondoca Smart não pode dar aquele “mole” todo.

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@monteiro4852 #153

Tudo tem um propósito. Um o quê? Um propósito.

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@monteiro4852 #152

O vazio.

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@monteiro4852 #151

Vem aí o Inverno.

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Que calor!

Quando Douglas era moleque, chamavam-no de Hot-Doug. Na verdade, era só um cara que falava aquilo, mas fazia isso com tanta frequência que às vezes parecia que o apelido tinha colado. Pouca gente entendia. O Douglas, que era um moleque em situação de rua, era dos que menos entendiam. Quer dizer, não conseguia ligar bem formalmente os pontos, a semântica e a significância, porque estava acostumado a lidar com a insignificância, com a agora famosa e (meio na-moda, muito comentada) invisibilidade. Mas o garoto sabia/sentia que o gringo que se referia a ele daquele jeito tinha alguma “sensibilidade”, algum “interesse”.

Douglas conseguia fugir da babação de ovo que de um modo geral percebia o pessoal exercitar para lidar com essa galera vinda de fora. Estava na rua mas não era bobo. Ou não podia ser bobo. Enxergava algum interesse por trás daquelas palavras, daquela boca, daqueles olhos, daquela cabeça coberta por cabelos dourados. Os cabelos do gringo chamavam a atenção de Douglas. O corpo esquio do menino, os dentes surpreendentemente brancos pra quem mastigava joelhos e empadas e quibes com tanta frequência, o cabelo desgrenhado e o queixo quadrado chamavam a atenção do forasteiro.

Zap! Zooot! Pow! Woool! Bang! De repente, tinha crescido. Rápido. Como se desse um salto. Havia caído em alguns buracos, e, sim, tinha conseguido levantar-se um pouco mais forte. Continuava magro. E tinha encurtado e adotado de vez o apelido, que virou tag: Hot. Douglas agora era o Hot. O Hot-Doug de um ano e pouco atrás estava uns bons dez centímetros mais alto, com alguma altivez. Perdera um pouco da “tranquilidade” com que conseguia se aproximar das pessoas e que, ao longo do dia, lhe garantia boa quantidade de salgadinhos e refrigerantes. Por sorte, ainda não tinha perdido nenhum dos dentes, que seguiam surpreendentemente brancos.

O estrangeiro e duas mulheres que moravam no 59, Diná e Ruiva, tinham tentado fazer o menino seguir carreira militar. As duas preferiram não entender, ou não foram mesmo capazes, quando ouviram-no confessar que gostava de gente fardada. Quando o jovem que viram crescer ia completar a idade certa, recorreram a um pessoal da assistência social do município e conseguiram os documentos necessários para que ele se alistasse. Dizem na rua que a única exigência era que Douglas ficasse, por três meses, num certo abrigo. Isso era necessário para que pudesse comprovar residência fixa. Estava tudo certo. Farda garantida. Um futuro na vida. O trio Gringo-Diná-Ruiva mobiizou-se para que isso acontecesse. As duas fizeram promessa. Mas Douglas já não era Douglas, nem Hot-Doug. Era o Hot e não conseguiria ficar tanto tempo sob um teto.

O trio continuava achando estar diante de um menino. Aparentando cansaço, declarando frustração, começaram a planejar para o “pupilo” uma vida de modelo. O fã de fardas foi quem fez a sugestão e as duas toparam. Conseguiram “convidá-lo” para uma pizza numa lanchonete que ficava perto do abrigo. Ele argumentou, quer dizer, deu uma ideia e disse que perto do abrigo não seria uma boa. Mas o trio achou por bem insistir. Achavam que Douglas deveria aprender a lidar com seus medos. E Hot aceitou. Eram 19h, quando os quatro se encontraram, na calçada. E dali dava para ouvir os gritos que vinham de dentro do abrigo. Não era possível saber se eram só zoação, se havia alguém levando um sacode. Seria possível apostar que havia alguma dor envolvida, ali, naquilo tudo. Hot olhou para o trio e perguntou se em vez da pizza podia pedir um joelho. Foi o que rolou: um joelho e um refri.

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@monteiro4852 #145

Era sonho?

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O sobrevivente

Nas imortais palavras de Wander Wildner, “Boa sorte, boa morte”. É assim que o sempre-Replicante, atual punk-brega, ícone-ídolo dos corações revoltados de outrora e agora porta-voz de suspirantes-crentes-no-amor terminava “Boa morte”, faixa da sensacional fitinha do grupo Sangue Sujo (da época em que WW era mais “só punk mesmo”). O cassete morreu, mas, por sorte, podemos usar o YouTube para comprovar a existência da máxima. Sorte? Morte? Palavras que, claro, não surgem à toa. Confissões chorosas que podem, sei lá, saltar duma mesa bem ao lado, são capazes de anunciar que o fim está próximo. E no fim das contas — como também diz a letra — “Um dia qualquer no fim das contas você vai morrer”.

Rebobinando ainda mais, e ainda mantendo a atenção ao que vaza da conversa na vizinhança, o escriba revive/constata o drama de Aloisio Dantas, ou Alolô, como zoavam os amigos antes de jogarem pra cima dele o terrível Já-Morreu. Ah, nada como uma reunião de amigos de colégio (suspiro) para conseguir inspiração. Como cresce um garoto, depois de ganhar um apelido assim? Naquela época, não chamavam isso de bullying. Era só sacanagem mesmo. Talvez por isso tenhamos nos transformado num país campeão na formação de psicólogos. O curso atualmente é dos mais procurados, como apontou uma edição da ainda — e surpreendentemente — viva “Folha de S. Paulo”.

Sermos campeões no número de dentistas não fez de nós, ao longo de décadas passadas, uma nação menos boca-suja. Vamos ver o que o pessoal da Psicologia vai conseguir, nas próximas eras. Se serão capazes de ajudar a gente a lidar melhor com a inevitabilidade do Fim. Ou, o que já pode ser um grande adianto, a aproveitar as pequenas mortes. Como no francês, sabe? Pequena morte, sacou? Sacou?

Vestir o paletó de madeira virou assunto banal. Há para isso a contribuição do jornalismo-lixo dos programas televisivos de depois do almoço. A gente diz “jornalismo-lixo” porque o jornalismo mais romântico não sobreviveu para ser/manter-se fã de Wander Wildner. Morreu faz tempo, o pobre coitado. A morte parece hoje tão líquida quanto as relações. Não vão achar absurdo, daqui a um tempo, escolher quem vai morrer através de um aplicativo. Se as pessoas escolhem seus pares passando dedos em telas de telefone, daí para usarem o mesmo método para apontarem quem irá desta para melhor é um pulo. Quer dizer, um clique. No século passado, o Schwarza — eita cara bom de matar gente na grande tela — protagonizou um filme em que um troço mais ou menos assim acontecia num show de TV. Qualquer semelhança com os programas de hoje em dia depois do almoço não é mera coincidência.

É claro que a Inteligêntsia sempre vai poder bater no peito bronzeado e eventualmente bem agasalhado para dizer que a Morte faz parte do jogo. Ah, a Inteligêntsia e seu desprendimento. Ah, a Inteligêntsia e suas referências. Vão dar um jeito de desenterrar “O sétimo selo”. Se bem que vão tirar isso do grande caixão da História mas, apesar de — OK — ser uma grande fita, quem é que vai ter paciência de assistir ao que fez o Bergman, hoje em dia, para depois discutir a respeito? Isso morreu! Nem os psicanalistas fazem mais isso.

Ninguém vai ficar pra semente, como garante a tiazinha do bar, enquanto faz pular as chapinhas dos litrões que os eternos estudantes pediram para a nova rodada de ressurreições. Depois de amanhã, ela diz, com cara séria, “é aniversário de morte da minha irmã”. Um momento de silêncio. E alguém levanta um brinde em homenagem a dona Marli. Beber para jogar Luz no caminho de alguém. Taí. Uma hora alguém ia achar uma coisa boa pra fazer com essa história toda de Morte. Saúde!

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Bu!

No caminho para a Lapa, uma coleção de personagens-situações de dar inveja em qualquer Rick Drekard. “Blade Runner”, cara, “Blade Runner”. O bom e velho… Turistas na escadaria. Gentrificação anunciada em mais um beco. Palavras surgindo na ida e fugindo na volta como que para garantir que não haverá registro. Crenças ensaiando um rascunho descontrolado. Explicações em todos os cantos, quase aos gritos. Uma mentira como sinônimo de roubo. Sol dando pinta de que vai deixar chover. Este é o nosso Show Sambapunk de Rádio.

O papel que o tiozinho usa para embrulhar as flores, no sábado, ali na feira, lembra a folha que cobria o pão de antigamente. Hoje em dia, pão é só em saquinho, praticamente. As flores deram mais sorte do que as bisnagas. Seu Zé e o Moleque cobrem tudo direitinho para garantir a elas alguma proteção. Antigamente, na volta para casa, o pão ficava descoberto com facilidade. O que será do pão, no futuro? O que será da flor, no futuro? O papel, pobre coitado, nem vamos perguntar sobre o que vai acontecer com o papel.

A pequenina ensaiando uma expressão de extremo desgosto, diante de um vídeo de entrevista ao qual o pai assiste. O coroa percebe e num flash vai até a própria infância, quando tinha vontade de voar ao ver o velho-mais-velho-ainda dando moral para comentaristas de futebol na TV. Todas estas teorias quântico-físicas devem ter algum fundamento, quando o caô é voltar ao passado. Sim, você já ouviu esta.

Ninguém jamais vai cantar “Modern love” como o próprio Bowie. Outro dia, pulava do celular uma versão caprichada/carregada nos graves para “Take my breath away”, mas, porra, aí é outra coisa. Outro naipe, não resiste ao corte.  Os amores modernos. Sempre os modernos. Sempre os amores. Sempre Bowie, esteja onde estiver. Seja o fantasma que for. Será que algum fela fez versão disso no esquema pagode? Até que pode ficar engraçado, hein!? Este é o nosso Show Sanbapunk de Rádio.

Há quem se assuste com facilidade. Há quem diga o tempo todo que se assusta com facilidade. Há a facilidade para assustar os outros, hoje em dia. Há os sustos que fazem a gente quase se mijar. Há os cheques sustados, mas aí é bem outra coisa. Por falar em coisas, há aquelas com as quais a gente não se acostuma. Não tão assustadoras quanto aquelas com as quais não estamos dispostos a nos acostumar. Geral está muito mal-acostumado. Até o próximo programa.

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Boteco Connection #11 — O monstro e o lago

Parecia perdida, ela. Olhos arregalados. Ofegante, sim; ofegante mesmo. Sem saber para onde ir e algo exausta. Suada. A calçada, que se lhe apresentava meio como um labirinto, carregava também traços bastante familiares: os poucos pinos perto do meio-fio, que estavam ali para inibir os motoristas de táxi em seus devaneios secundaristas, faziam o papel de pilastras, de tão grandes que tinham ficado. Tudo isso, sob o olhar da moça; antes de ela investir no primeiro gole de cachaça. Com as unhas dos pés e das mãos bem pintadas de vermelho, olhava para os lados como se aguardasse o Minotauro, que apareceria para gritar “Bu!”. Como que numa tentativa de manter-se lúcida, fez a piada: “Será que o Minotauro faz ‘Bu!’ ou será que faz ‘Mu!’?” Estava falando consigo mesma, mas no esquema voz-alta-mode-on. Foi a chance que o maluco do lado esperava para tentar engatar uma conversa: “Me dá também uma cachaça dessa, dona Marlene! Igual à da moça…”

Vera respirou aliviada. “É só um mané, não é o Minotauro”, comentou, depois de mexer rapidamente no painel e garantir voz-alta-mode-off. Na avaliação cordial dela, estava lidando com alguma espécie de monstrinho. Mas não teve medo. E resolveu jogar. Deu ao boy uma chance, revisitando uma gracinha antiga, apostando que assim assustaria o cara: “Oi, eu sou a Vera. Estou aqui à vera.” A parada era dizer isso bem rápido, meio que se fazendo de bêbada, meio que disparando um teste. O cara não mordeu a isca. Respondeu com um pobre “Nino. Prazer.”

A tiazinha que controlava o outro lado do balcão fingiu não ouvir o pedido do rapaz. Porque ela sabia que era cliente de gelada e não de quente. Queria evitar problemas. Vera, por sua vez, começou a falar num “lago escuro”, onde ela não tinha certeza se “pulava ou não”. Foram uns bons 15 segundos de silêncio, depois daquilo. Até que sob a sombra de um certo juízo o rapaz retomou suas práticas mais tradicionais: “Dá uma cerveja, dona Marlene. Bem gelada.” Ele e a tiazinha se entreolharam e trocaram um breve sorriso, e, estando ambos calibrados para voz-alta-mode-off, trocaram também uma frase que parecia ensaiada: “Não pode mais chamar de canela de pedreiro…” Riram alto, como se às vezes esquecessem das regulagens que fazem em seus painéis.

Cada um com seu goró. Como tinha que ser. Minotauro ia, à-vera vinha, taxistas iam, taxistas vinham e… o lago escuro não saía da pauta. Ela insistia no assunto. Falava de mergulhos. Citava encruzilhadas e igrejas. Apontava dúvidas. Mencionava o pai. Olhava inquisidora para os olhos do rapaz e falava em “transferência”. E quando ele começava qualquer frase ela devagarinho batia palmas, como que conduzindo um samba; sugerindo uma melodia, um andamento. Num primeiro momento, Nino não percebeu aquilo; mas, depois do segundo litrão, muita coisa foi ficando mais clara. Vera no entanto não parecia disposta a abrir mão de controlar o jogo. Na cabeça da moça, era o seguinte: se do outro lado do ringue não estava o Minotauro, não havia o que temer. Ou o que perder.

Em jogos de sedução, com ou sem monstros míticos, chega uma hora em que um dos dois lados pode mudar de estratégia. O que dizer sobre uma brincadeira que ocupa uma preciosa e disputada mesinha de calçada por três horas? Dona Marlene não dizia nada, ainda mais que o casal estava bebendo bem. Já eram vistos como um casal. Compraram amendoins dos moleques que passaram vendendo a iguaria. Investiram em paçoca, gomas de mascar; ajudaram uma mãe que precisava de fraldas para o bebê. O Minotauro estava demorando demais. O monstro estava perdendo. O playboy tinha chances de vencer.

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@monteiro4852 #130

Quando você vai vir?