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O sobrevivente

Nas imortais palavras de Wander Wildner, “Boa sorte, boa morte”. É assim que o sempre-Replicante, atual punk-brega, ícone-ídolo dos corações revoltados de outrora e agora porta-voz de suspirantes-crentes-no-amor terminava “Boa morte”, faixa da sensacional fitinha do grupo Sangue Sujo (da época em que WW era mais “só punk mesmo”). O cassete morreu, mas, por sorte, podemos usar o YouTube para comprovar a existência da máxima. Sorte? Morte? Palavras que, claro, não surgem à toa. Confissões chorosas que podem, sei lá, saltar duma mesa bem ao lado, são capazes de anunciar que o fim está próximo. E no fim das contas — como também diz a letra — “Um dia qualquer no fim das contas você vai morrer”.

Rebobinando ainda mais, e ainda mantendo a atenção ao que vaza da conversa na vizinhança, o escriba revive/constata o drama de Aloisio Dantas, ou Alolô, como zoavam os amigos antes de jogarem pra cima dele o terrível Já-Morreu. Ah, nada como uma reunião de amigos de colégio (suspiro) para conseguir inspiração. Como cresce um garoto, depois de ganhar um apelido assim? Naquela época, não chamavam isso de bullying. Era só sacanagem mesmo. Talvez por isso tenhamos nos transformado num país campeão na formação de psicólogos. O curso atualmente é dos mais procurados, como apontou uma edição da ainda — e surpreendentemente — viva “Folha de S. Paulo”.

Sermos campeões no número de dentistas não fez de nós, ao longo de décadas passadas, uma nação menos boca-suja. Vamos ver o que o pessoal da Psicologia vai conseguir, nas próximas eras. Se serão capazes de ajudar a gente a lidar melhor com a inevitabilidade do Fim. Ou, o que já pode ser um grande adianto, a aproveitar as pequenas mortes. Como no francês, sabe? Pequena morte, sacou? Sacou?

Vestir o paletó de madeira virou assunto banal. Há para isso a contribuição do jornalismo-lixo dos programas televisivos de depois do almoço. A gente diz “jornalismo-lixo” porque o jornalismo mais romântico não sobreviveu para ser/manter-se fã de Wander Wildner. Morreu faz tempo, o pobre coitado. A morte parece hoje tão líquida quanto as relações. Não vão achar absurdo, daqui a um tempo, escolher quem vai morrer através de um aplicativo. Se as pessoas escolhem seus pares passando dedos em telas de telefone, daí para usarem o mesmo método para apontarem quem irá desta para melhor é um pulo. Quer dizer, um clique. No século passado, o Schwarza — eita cara bom de matar gente na grande tela — protagonizou um filme em que um troço mais ou menos assim acontecia num show de TV. Qualquer semelhança com os programas de hoje em dia depois do almoço não é mera coincidência.

É claro que a Inteligêntsia sempre vai poder bater no peito bronzeado e eventualmente bem agasalhado para dizer que a Morte faz parte do jogo. Ah, a Inteligêntsia e seu desprendimento. Ah, a Inteligêntsia e suas referências. Vão dar um jeito de desenterrar “O sétimo selo”. Se bem que vão tirar isso do grande caixão da História mas, apesar de — OK — ser uma grande fita, quem é que vai ter paciência de assistir ao que fez o Bergman, hoje em dia, para depois discutir a respeito? Isso morreu! Nem os psicanalistas fazem mais isso.

Ninguém vai ficar pra semente, como garante a tiazinha do bar, enquanto faz pular as chapinhas dos litrões que os eternos estudantes pediram para a nova rodada de ressurreições. Depois de amanhã, ela diz, com cara séria, “é aniversário de morte da minha irmã”. Um momento de silêncio. E alguém levanta um brinde em homenagem a dona Marli. Beber para jogar Luz no caminho de alguém. Taí. Uma hora alguém ia achar uma coisa boa pra fazer com essa história toda de Morte. Saúde!

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