Uma dezena de desenhos. Uma centena de pensamentos. Um palpite pro jogo do bicho? Que nada. Vamos economizar para comprar uma revistinha nova. De quem será? Em que feira ela estará? E a dor de cabeça que não passa? Um dia inteiro sem conseguir mexer no e-mail. As lojas entupidas, você precisa chegar cedo. As crianças na rua, brincando como se estivessem de férias.
Óleo básico
O Zé estava falando agora mesmo da Terceira Guerra Mundial. Tem que escrever assim mesmo, com maiúsculas, porque o cara empregou um tom bem sério. O Zé É sério. Comentou sobre a anticiência, sobre coisas que não são provadas, mas, apenas comentadas. “A anticiência dos nossos dias precisa ser absurda pra os computadores serem incapazes de entendê-la”, lançou, cabeceando ele mesmo logo depois: “E os discursos, nascidos sem cálculos, criam parâmetros que sendo bonzinhos a gente pode chamar de fantasiosos. TGM é isso.” Há também quem diga que o atual patamar da taxa de desemprego em países ricos é uma comprovação de que estamos vivendo a Terceira Guerra Mundial. Um vendedor de cursos online recorreu outro dia a estes números pra oferecer seu pacote de aulas. Será que o Zé compra esse tipo de coisa? Quantos terão caído nessa?
A conversa chegou aos robôs e eles foram apontados como os grandes personagens por trás da TGM. “Eles, que vão trabalhar pra sempre nos bancos.” Isso merece virar verso, tem peso para ser um pedaço de letra de música. A gente passa por aqui, por esta vida, mas rapidinho. Mas eles, os robôs, ficarão pela eternidade. Daqui a pouco, vai ter igreja vendendo isso; robôs que permanecerão no mundo para pagarem pelos pecados do humano SORTUDO que tiver conseguido adquirir um. Imagine uma época em que automóveis não serão mais os grandes sonhos de consumo.
Pode surgir uma treta aí, quando as bonecas infláveis reivindicarem seu direito ao óleo básico, querendo igualdade de condições/status com os robôs vendidos pelos templos — em suaves e abençoadas prestações mensais. Tudo com desconto em folha, para facilitar; imaginem! Em breve, a sofisticação cyber pode emprenhar a religiosidade com um detalhe impensável há até bem pouco tempo. Dá para imaginar que teremos grande oferta de modelos de terno e gravata. Um país que adora bandidos escondidos neste figurino, claro, vai achar a coisa mais normal do mundo “investir” em robôs vestidos assim.
Estamos diante de uma retomada do Philip-K-Dickianismo, quando a gente achava que já tinha usado todas as referências para reclamar da lama que nos borra a camiseta que deveria estar limpa para quem ainda não desistiu de encarar uma Smart Fit da vida. Com hora marcada, agora, para que sejamos montanhas de músculos re-al-men-te saudáveis, isto é, livres do Covid. Já houve quem, com alguma pretensão de ser humano-e-esclarecido, questionasse estes templos da boa forma, acusando aquele ambiente de criar… robôs. Profético, né, esse pessoal da psicanálise!? Mas a provocação não chegou a ganhar eco entre a intelectualidade. Nas mãos de um Fausto Fawcett, isso talvez rendesse um álbum.
Dirão alguns que falar sobre máquinas é falar do mesmo. Mas elas evoluem tanto que acaba sendo algo novo, porque jogamos luz sobre modelos fresquinhos. Máquinas carregam um princípio Tostines. Máquinas e Marcas, como essas “coisas” estão próximas, hein, caramba! Próximas, não. Podem ser tomadas como uma só coisa. As guerras estão aí para estimular as indústrias e o consumo, já tivemos toneladas de punkrocks, pelo menos duas gerações de anarcopunks explicando isso. Na Terceira Guerra Mundial, não seria diferente. Humanos de boa vontade concordarão.
Saudade parece que nunca anda sozinha. A falta que a gente sente de escrever ou de desenhar se emenda fácil, fácil, na falta que faz (convi)ver (co’)uma determinada pessoa. Numa época em que rabiscar pensando em alguém tornou-se um exercício muito mais comum e possível do que rabiscar olhando de perto para alguém, é bom achar uma maneira de lidar com elas, as saudades. Sobram os textos, às vezes, e sorte de quem consegue achar que isso é muito/suficiente.
Fica um pouco chato quando, quase clicando no link da sabotagem, o cara se pega fugindo da escrita, guiado por algum circuito da cachola em que aquilo se transformou numa obrigação. Saudade, quando vem, está longe de ser uma obrigação. É isso sim uma orca te perseguindo na praia, você sabendo que não está suficientemente perto da areia para conseguir fugir. É bom respeitar/aceitar o texto, quando ele surge, porque se aquilo escapa você provavelmente nunca mais conseguirá rever/repensar naqueles mesmos “moldes”. Textos mais do que nunca moldam saudades.
Com a poesia é a mesma coisa. Ou pior. Porque com os versos a gente pode ficar mais escabreado, juntando à possibilidade de registro o medo do ridículo. Se para provocar a gente diz que “fazer poesia é fácil, difícil é confessar que fez…”, imagina pensar poesia, e não escrever nada… No mundo ideal, seria ainda mais “confortável”. Mas o desespero de perder um versinho, um versinho que seja, pode ser também uma semente de ferida com a qual ninguém aí está preparado para lidar. Se disser que está, pode ser uma declaração que não passa de cagaço. Trocando em miúdos, é isso: cagaço.
Teve esta semana a história de um cara que, para lidar com a falta de tempo e a saudade, ocupava ainda mais as brechas que se lhe apresentavam. Isso. Não tinha tempo e tratava de ter ainda menos. Desandou a fazer pães. Cismou com isso e dizia aos manos que aquela “brincadeira” era uma espécie de meditação. Mais um louco-de-pandemia. Quando comia o resultado do trampo, da queima de um tempo que nem existia direito, ou quando distribuía aquilo entre amigues, relaxava. E percebia um alívio. Mas durava só um piscar de olhos, porque a onda era preencher todas, todas as brechas. Pra muita gente, não tem dado tempo de sentir nada.
Lidar com o tempo nunca foi fácil. Com a saudade, menos ainda. Nestes dias, a tarefa parece ter assumido ares ainda mais impossibilitadores. Porque a gente pode se pegar sem conseguir decidir se ele, o tempo, está passando rápido demais ou demasiado lento. No mesmo dia, você pode ouvir alguém dizendo que “já é Agosto” e uma esquina depois que “nem parece que já se passaram quatro meses de trancamento em casa”. O mundo precisa se decidir.
@monteiro4852 #9
A gente piscou e uma semana se passou. Talvez seja o caso de piscarmos menos…
Carbona aí, ó
Você pisca, Harry Potter completa quatro décadas. Pisca de novo e não acredita no tamanho da barba do Henrique Badke (voz), que junto com Melvin Ribeiro (baixo), Pedro Roberto (bateria) e Bjorn Hovland (guitarra) está lançando hoje uma música nova do Carbona: “Minha cabeça”. Badke, além de cultivar os pelos que lhe cobrem a cara, vem mostrando recentemente uma rica/constante produção musical, frutos que não parecem ser só por causa do plantio forçado no isolamento pandêmico mas, sim, desdobramentos de uma inquietação inerente ao punk/rock bubblegum que desde 1998 ele vem defendendo com o Carbona.
A faixa composta por Badke é fresquinha, deste ano que para muita gente merece o rótulo de “maldito”. E, sim, também, a música fala um pouco disso que a gente está vivendo. Diz um trecho: “Dentro da minha cabeça / Antes que’u enlouqueça / Aí fora tá osso/ Eu nem quero seguir/ Já que dentro da minha cabeça / Aconteça o que aconteça / Eu pego minha viola / Conto umas histórias / Sigo por aí / Eu pego minha viola / Toco três acordes / Saio por aí.”
É Carbona roots, rápido, divertido, podendo provocar uma invejinha em quem está parado só esperando que o tempo melhore. Capaz de comover quarentões, graças às imagens que incluem compactos em vinil, vitrolas, fita cassete, sujeitos tocando instrumentos. O clipe foi dirigido por Sergio Caldas. Uma ótima para quem quer animar a sexta-feira.
Nina
Continuava lá. Na janela. Já não precisava dizer que estava esperando. Geral sabia. A gente só não entendia ainda bem o quê. Ela nunca disse, na verdade, nunca houve uma explicação, um “peraí que eu já volto”. E já não dava tempo de perguntar se por acaso era na verdade um “quem”. E não dava tempo porque ela não recebia mais ninguém. Havia uma aposentadoria e uma internet que lhe garantiam a possibilidade de pedir tudo em casa. Talvez estivesse investindo numa história, construindo uma personagem. Fosse ou não esta a opção de Nina, era muito incômodo chegar ali, na esquina, olhar pro terceiro andar do prédio amarelo, perceber a janelinha aberta e a tiazinha, lá, com uma cara que nem era exatamente de triste mas… Talvez fosse de amargurada, sim, mas as pessoas tinham se acostumado a ver aquela mulher na praça sempre sorrindo e não se rendiam, insistiam que não era dor aquilo que contornava o rosto já um pouco enrugado. Parecia que todas as rugas tinham surgido nos últimos três meses. Ou quatro. Ou cinco. Ninguém sabia ao certo.
Uma mulher que já tinha sido apontada como esperta. Pois é. Tinha decidido não fazer outra coisa que não fosse esperar. Havia quem se perguntasse se aquela na verdade não era a grande esperteza dela, a grande tacada, e quando temperavam este questionamento chegavam a falar até em aumento da pensão, em uma espécie de fiscal que chegaria para conferir as coisas e veria que se tratava de uma pessoa mentalmente debilitada e por isso haveria um cascalho adicional no benefício mensal. Talvez ela já estivesse ganhando mais e por isso podia se dar ao luxo de pedir tudo em casa. Comida, produtos de limpeza. “Será que chega roupa também?” Esta teoria era da Ana Maria, que era assim, ó, com Nina antes do início daquela novela toda na janela do terceiro andar. Ana Maria desconfiava que havia algum planejamento naquilo porque Nina havia se mudado de um apartamento de fundos para aquele ali, de frente, e isso, segundo a ex-amiga, era uma garantia de ser vista, coisa que seria impossível no imóvel que dava para os fundos. E a gente diz “ex-amiga” porque é assim que Ana Maria se sente. E ela sente mesmo porque já fez cara de choro na praça pra falar da ex-amiga.
Tinha começado, aquilo, sei lá, havia já meses. “Meses?” “Quantos meses?” Ninguém sabia ao certo. Nem dava pra apostar porque não existia resposta precisa e confiável.”Quem vai controlar as apostas? E o prêmio? Vai dar confusão.” Havia quem desconfiasse da existência de um acerto entre ela e o Zinho. O Zinho lá da praia, que o Tuca, o Tuca ali da Paralela… Então, o Tuca lembrava muito bem que o Zinho tinha começado a falar com o pessoal do bar da esquina, o do Leco, que a Nina estava estranha, ali na janela, meio que não se mexia, parecia uma estátua, e não dava mais as caras na praça, fazia pose de que estava aguardando alguma coisa. Tuca sacaneava dizendo que o Zinho passava quatro cevejas afirmando que a dona Nina não perderia tempo tomando conta da vida dos outros. Não falava de outra história, no bar, o Zinho; insistia que ela estava esperando alguma coisa. Era zoado pelos outros caras da turma da praia, como se estivesse ele de olho na mulher. E ficava lá, imóvel, também, no balcão, olhando para o nada, em muitas ocasiões, tentando encontrar uma explicação. Olhando para o nada, na esperança de pescar alguma coisa.
Zinho ficou parado algumas vezes, em frente ao prédio, mirando a janela do terceiro andar, e fez isso como se fosse também ele um personagem, um personagem de vídeo, um vídeo desses nada nobres de YouTube em que alguma palhaçada acontece, em que um mané é capaz de mobilizar uma multidão, com um gesto simples como o de olhar para cima, numa esquina de uma grande cidade, mas ninguém chegou a filmar, não, chegaram só a se aglomerar um pouco porque era ainda uma época em que a aglomeração era permitida e ficaram lá, umas tantas cabeças, olhando para a dona Nina. Zinho teve vontade de gritar “Ô, Ni-na! Dona Ni-na!” Mas não gritou. Ela parecia alheia a todos. Com certeza não estava ali a pessoa tão aguardada.
@monteiro4852 #8
Para fugir da(s possibilidades de aglomeração), três caras marcam um encontro naquele que para o grupo é o boteco-do-coração. Em Copacabana, às 14h de uma terça-feira. Serão apontados como exemplo de vagabundagem e vão se orgulhar de defender a essência da carioquice. Sem falar que se os chopes forem como antigamente, tudo/muito terá valido a pena. É no que acreditam, estes irresponsáveis. O grande lamento é que neste horário o garçom preferido deles, o Beto, ainda estará em casa. A promessa de beber apenas três copos é isso, uma promessa. Em nome de velhos sonhos, que vêm se desfazendo, cumprir o escrito, mesmo se estiver escrito no WApp, está com tudo. Cumprir o combinado é o novo black. Mesmo de mentirinha. Mesmo para os irresponsáveis.
Outro black parece ser o zine novo do MZK. Está lá no Foicebook, um aperitivo, para quem quiser ver. Se é para a gente ser engolido pela WWW e ainda por cima ser acusado de dar piti, que o azul seja outro diferente daquele do Foicebook, né? Aquele troço lá só pra de vez em quando mesmo, para colocar o link de uma crônica ou outra e, sem querer querendo, esbarrar com desenhos de caras como o Maurício Zuffo Kuhlman. E do Sica. Também tinha um livro do Rafael Sica, anunciado lá. Tiragem baixa, acho que com assinatura. O minúsculo e o gigante, conforme disseram três décadas atrás, estão se confirmando como tendência. O minúsculo, que são caras como estes artistas aí, estão dando de dez nos gigantes. Esqueceram de falar nos miseráveis, naquelas palestras dos anos 90, e continuam esquecendo agora.
Para lidar com gigantes, vale seguir as dicas sobre como ludibriar o algoritmo. Tem uma história de visitar páginas feitas por pessoas com as quais você não concorda muito. E até mesmo fazer comentários. Porque assim afrouxam-se os filtros sobre o que te é oferecido na timeline. Que coisa, hein!? Perca aí uma tarde pensando, pra ver se encontra equivalente para isso nos tempos passados. Surge no ar a pergunta sobre a necessidade de ter filtros/algoritmos para oferecerem aquilo que vamos consumir/ler/ouvir/ver. Mas uma terceira acusação de piti ninguém aguenta. Desligar o aparelhinho está cada vez mais difícil. Dirão os esquerdopatas que “feliz era o porteiro, que mergulhava no radinho de pilha mas ainda tinha algum tempo para brigar sobre futebol”.
Naquele lugar em que se encontram gigantes, anões, blacks, whites, enfim, quem estiver de máscara e não se importar com xingamento… bem ali, estão os sonhos. Recorrentes, às vezes, e nestes dias de Blade Runner se materializando em cada esquina. Como as bonecas com aparência quase humana para quem se sente “só”. O Zé Sem Nome falava outro dia sobre robôs e testes feitos com robôs, sobre como isso desperta a compaixão de certos humanos. Pois é, Zé, a humanidade, está mais do que se afeiçoando às máquinas. Investindo neste tipo de “aparência” para si mesmo, facilita muito as coisas para a indústria. Eram proféticos os versos d’Os Replicantes, em “Astronauta”: “…Agora quando a lua cresce no céu/ Aperto contra o peito o coração de Bebel/ E abençoo toda a indústria eletrônica/ Por ter criado a minha nova esposa fiel/ E molho a garganta tentando me livrar/ Das últimas partículas de poeira lunar/ Bebel então percebe e começa a chorar/ E eu tenho medo que ela vá enferrujar…”