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Esperança

Dedo Mindinho, Seu Vizinho, Maior De Todos, Fura-Bolos, Mata-Piolhos. Continue cantando: “Cadê o docinho que tava aqui?” Agora, sério: se forem procurar um “culpado” diferente, em vez de deixar o Gato ir atrás do Rato, como sempre foi feito… a coisa pode ficar ruim para o Seu Vizinho! Pode apostar. Porque é um dedo aparentemente sem moral nenhuma. SV, coitado, parece que dá no máximo a sorte de ser confundido com SUV, que é aquele carro do playba que tem muito para gastar em seguro e gasolina. A ladainha pode piorar se estivermos falando do pessoal do andar de baixo: neste caso, os dedos do pé.

Será mesmo? Abaixo o coitadismo (esta palavra tão da moda). Dá para dizer que, assim como o classe-mediano motorizado vive de ilusões, o Seu Vizinho Do Pé circula bem menos coberto por esparadrapos do que o Mindinho. A comprovação estava no testemunho de um mané que, outro dia, num boteco, de Havaianas, exibia o menorzinho todo coberto por uma fôrma/armadura branca. “Foi o Magnetismo: o Mindinho sempre atrai a quina do armário ou a porta. Acontece demais”, repetia, com cara de quem ao caminhar experimentava ainda alguma dor.

“Fura Bolo” já foi até nome de picolé, lembra? Da (boa e velha) Gelato. Mas o SV, discreto, consegue significativo destaque, quase holofotes, nos encontros do pessoal grati-luz-descolado. Quando a terapeuta invariavelmente começa com aquela história de “levar ‘vida’ a partes do corpo que estão esquecidas”, ele, o Seu Vizinho Do Pé, leva tanta massagem e estímulos/carinhos quanto um irmão mais famoso (o Mindinho) e muito mais do que outro mano superpop (o Dedão). Sim, é com massagem e mimo que (quase-)místicos dão vida a partes do corpo que sofrem por conta do esquecimento. O cérebro pode mesmo ser um vacilão, né? A família de dedos comprova.

Pode haver quem aponte que o Seu Vizinho Do Pé na verdade dá mole por ser um dedo que mergulhou na timidez. Aquela história de o Sol brilhar para todos, manja? Vai saber… Outro ponto é que, se, por um lado, ele, o  SVDP, não tem tamanho de caçula, lugar/posto que pode garantir muitos privilégios vindos dos pais, também não fica sob o jugo de todos os outros irmãos. A gente sabe que irmão mais velho pode ser o cão, né? Esses dias mesmo alguém tava falando que numa família do Méier os três mais velhos obrigavam a mais jovenzinha a comer minhoca. Isso antes de a TV exibir “Jackass”.

Tudo bem que na hora de um footworship a chupação/adoração fique mais para outrem. Se há um dedo poeta, um “sofredor” capaz de emergir do sofrimento e revelar-se um habilidoso intelectual ganhador de prêmios, é sem dúvida o SV. Do pé ou da mão. Porque fora das historinhas já convencionais e infantis, como a famosa musiquinha cantada no início desta prosa, sobra a disposição/paciência, verdadeiramente uma necessidade de observar o mundo e com isso construir uma fábula diferente. (Que alguém entenda.)

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Bocas e suas orientações políticas

Outro dia, numa pesquisa de Twitter, uma jornalista usou a linha do tempo para tocar uma pauta: “Quantas pessoas de esquerda estão com empregada em casa na pandemia?” Era provavelmente uma pesquisa para achar personagens para uma matéria. Mas um detalhe — o “de esquerda” — chamou a atenção de gente que noutra esquina da rede mundial de computadores discutia os “50 tons de esquerda”. Era um grupo de lero às vezes bem-humorado, batizado a partir do nome daquele filme de 2015. Uma galera também muito “atenta”, do tipo que está em casa agora durante o isolamento, porque pode. Gente capaz de pescar a pesquisa da repórter para rechear suas argumentações, contra e a favor de qualquer coisa.

Para você ter uma ideia do que rolava: ali, naquela aglomeração internética, e portanto atualmente permitida, era possível ler coisas como “se é de esquerda, não tem como ser machista”. Questão que, como resposta, TODAS dadas por mulheres, além de uma ameaça de tapa na cara gerou a única unanimidade daquela tarde: a conclusão de que estavam diante de um “esquerdomacho”. A ameaça de esbofeteamento, caso venha mesmo a acontecer, só após o período de isolamento. A conferir.

Quanta variedade, nestas discussões de grupos de mensagens! É. Parecia feira. Dá pra imaginar pessoas de jaleco, sacudindo moedas nos bolsos como se fossem chocalhos e oferecendo seus produtos, quase esfregando na cara da dona que passa com o carrinho aquele caqui da promoção. “Experimenta, experimenta aqui!” Ofertas que às vezes soavam como ameaças. Houve quem aparecesse para dizer que não acreditava mais em Esquerda. O “consolo” é que não acreditava também em Direita, o que para ambos os lados pareceu ainda pior.

Estavam ligados pelo desconforto. Sim, parecia que no debate eram todos esquerdopatas, mas falar dos tons quase colocava alguém do/de outro lado. Mesmo num grupo em que os membros se identificavam pelas ideias em comum, havia diferenças. E aí… havia lados diferentes. Pra não dizer opostos. O que pra muitos significava “Direita”. A conferir, também — aí, provavelmente, só nas próximas eleições. Quando e se surgir o papo de “voto útil”, isso poderá ajudar muito.

“Eu nunca tive dúvidas de que você era a Esquerda da Direita. Ou a Direita da Esquerda”, dizia um playboy, tentando ser simpático. Sim, havia playbas na conversa. E eles se comportavam até bem. Talvez estivessem medrosos, o que fazia deles pelo menos temporariamente “playbas razoáveis”. E, às vezes, dava para ser simpático. Talvez porque estivessem todos neste “momento água”, vendo no Youtube (e indicando) vídeos sobre resiliência. Com certeza, cansados de estar em casa por tanto tempo. Vale repetir: sim, eram do tipo de gente que anda podendo ficar entre quatro paredes, lidando com a culpa, em muitos casos, e, noutros, rezando para o achatamento da Curva.

Eram bons de explicações, os envolvidos. E faziam questão de pormenorizar as coisas, às vezes distanciando-se da discussão que parecia ser mais importante num determinado momento. Apelaram muito para o futebol, apontando que, “historicamente”, entre os que amam o jogo de bola, “os times trabalham pela destruição do adversário, muitas vezes, mais do que para o sucesso da própria agremiação.” Foi um dos poucos momentos de consenso, naquelas horas quentes.

Podia parecer um pouco estranho a exemplificação não ir para o mundo das cervejas, depois de passar pelo futebol. Talvez porque não haja muita familiaridade co’o rótulo Esquerda-Loura-Gelada. Por outro lado, ali naquelas intermináveis mensagens sobre “50 tons de esquerda”, foi quase consenso que “esquerda nutella” anda sendo um troço difícil de sustentar porque o pote de 650 gramas dessa parada está saindo por 40 moedas num supermercado da Zona Sul do Rio. “E não pode ser um pote menor?”, perguntou um conciliador esperançoso, porque entre esquerdopatas há conciliadores, sim. Depois, teve que engolir, sem cacau com avelã, que “precisa ser da grande, sim, porque a gente não quer socializar pobreza, a gente quer dividir riqueza”.

É importante manter o bom humor nas discussões. Ou, então, o cara pira. Seja de que lado estiver. A grande lição foi que, se é do tipo que anda recebendo diarista em casa, o negócio é manter a boca fechada. Seja qual for a orientação política da boca.

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Polegar-pra-cima ou coraçãozinho?

Tem essa coisa do setor cultural precisando de amparo. Mas… Dois tipos de “espetáculo” que sempre estiveram firmes e em alta na internet seguem pipocando durante a pandemia e não parecem necessitar de sequer um tostão para continuar em cartaz. Primeiro, os playbas piadistas, que fazem graça com assuntos sérios: nem se dão ao trabalho de escrever seus próprios “ha-ha-has” e aguardam incansáveis uma nova oportunidade para serem desagradáveis. De outro lado, os sofredores, pobres-desamparados que se abrem para o público, compartilham seus fracassos e fantasmas, jogam luz sobre uma “grande dor” pela qual parecem ser consumidos.

Mundinho de extremos. Nele, os primeiros querem aplausos e um emprego de roteirista. Os segundos, carinho e atenção. Mas se você clicar no coraçãozinho ou no polegar-pra-cima, já vão ficar muito satisfeitos. Porque a internet, afinal, é um mundo de oportunidades e o quintal de grandes empreendedores. Gente movida a joinha. Então, um clique a mais pode sempre ser a migalha que falta para o “artista” diligente fazer o seu próprio sonho-americano virar realidade.

Às vezes, falta ao showman alguma originalidade. A rede mundial de computadores é um poço sem fundo. É cheia de lixo, mas exigente. Uma gracinha é sugada para o web-inferno em questão de segundos. Google é tipo um Saturno: faz tudo envelhecer. Precisa o humorista ter preparo físico, isto é, muita disposição para renovar as bobagens que digita. Na era do “E daí?”, o engraçadinho que cita um exemplo qualquer de área em crise e improvisa a musiquinha-dancinha dos caixões está sendo muito… muito… sem-gracinha.

É mais fácil ter paciência com a galera da tristeza? É? Às vezes, parece que sim. O que pode nos levar para aquele lugar dos bonitinhos ordinários, da solidariedade que mostra a cara somente na hora do câncer. Os dois fenômenos só podem existir porque há público. Para ambos, a única resposta parece ser um polegar-pra-cima. A gente precisa tomar algum cuidado para que, com o tempo, esta não passe a ser também para nós a única possibilidade de resposta.