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Bolo de fubá

Viram que a Dona Lena está mais magrinha? Dá para imaginar? Mais magra, pois é: passou entre dois táxis que estavam estacionados ali, no ponto da Senador Correa, perto da praça; e nem precisou ficar de ladinho para completar o movimento. Vinha com aquele vestido roxo, com detalhes verdes, aquela combinação sobre a qual a gente sempre fica comentando, que ela usa quase toda terça-feira, e o vestido deu uma espanada na poeira daqueles carros amarelos, porque estava ventando muito quando Dona Lena apareceu e se espremeu por ali. Quer dizer, ela não se espremeu.

Tá ligado nas unhas da Dona Lena, né? Outro dia, alguém estava comentando sobre isso mas em vez de falar “unhas da” optou por “unhas de”, e, aí, começou aquela palhaçada de um zoar o outro dizendo/acusando “Você é de Bangu e por isso fala assim”. Mas parece que acontece também em Jacarepaguá, isso de falar com “de”. E Dona Lena participava da discussão, lembrando das coisas que tinha aprendido com o pai farmacêutico, sem saber que o gatilho para aquilo tudo tinham sido suas unhas enormes, que às vezes chamavam ainda mais a atenção porque vinham pintadas. Teve uma menininha da escola ali da praça que demonstrou medo uma vez quando viu as unhas roxas de Dona Lena. Roxo é uma cor que aquela senhora simplesmente adora.

Era engraçado ver como ela conseguia mobilizar os motoristas para contar sobre as coisas que tinha aprendido com o pai. Havia quem achasse que os caras só paravam para ouvir por conta de um detalhe: quando ia contar histórias, ela trazia uns pedaços de bolo de fubá. “Porra, o bolo de fubá da Dona Lena é show!” Invariavelmente, havia a explicação de que no caso do bolo a receita era de uma tia e não do pai. Na sequência, quase sempre ela falava que aquelas duas eram as pessoas de quem mais sentia saudades.

Alguém sempre lembrava de uma ocasião em que Dona Lena havia explicado por que não sentia saudades da mãe. Parece que uma vez ficou esperando muito tempo, na saída escola, numa noitinha de chuva, e a mãe havia demorado muito a aparecer e como desculpa disse que tinha ido ao mercado. Dona Lena teria perguntado pelas compras e a resposta da mãe foi “Não me questione, menina…”

Dona Dorinha da papelaria conta que foi neste dia que Dona Lena elegeu o roxo como sua cor preferida. Era portanto um gosto que vinha desde a infância. Parece que ela falou, muito pequena ainda, como ainda era quando aconteceu aquilo do atraso da mãe, parece que ela falou que “cor é uma coisa alegre mas é importante a gente saber usar as cores para conseguir lidar com as tristezas e o roxo é bom para isso…” Diz Dona Dorinha que Dona Lena falou isso no dia seguinte ao da demora da mãe.

Agora que começou a circular essa história de que Dona Lena está mais magra, calhou de comentarem também que ela está com algum problema com a irmã, que parece que é a única pessoa que lhe resta da família que um dia já foi grande. O detalhe engraçado é que ninguém sabe o nome da irmã. Já até disseram que as duas não se dão muito bem. Vai ver que essa irmã era a preferida da mãe. Mas isso é só especulação. Foi a irmã com certeza que deu à Dona Lena aquele vestido roxo com detalhes verdes, o das terças-feiras, e as pessoas sabem disso porque, aí, sim, Dona Lena comentou.

Quem talvez saiba dizer se há alguma coisa errada com Dona Lena é o Jorge Advogado, ali do prédio da esquina. Ele era o responsável pelo acerto do aluguel do apartamento em que mora Dona Lena. Parece que ela paga bem pouco. O imóvel é de uma senhorinha muito boa, amiga de Dona Lena também do tempo da escola. E é uma senhora que tem boas condições de vida, anda sempre muito arrumada, mora ali na Paissandu, que é tida na região como uma rua mais nobre. E ela fez essa gentileza de cobrar um aluguel simbólico de Dona Lena porque não precisa de dinheiro. Talvez alguém devesse dizer a ela que Dona Lena está parecendo mais magra, se é que essa história ainda não chegou à Paissandu, porque de repente esta senhora endinheirada pode ajudar de alguma maneira. Se for o caso.