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Vinhozinho, vai? (#hiperlocal01)

Quinze minutos de evento: queijos e embutidos sumiam sem cerimônia do espaçoso tampo de vidro em que se enfileiravam, também, grandes taças para os vinhos e outras, menores, para quem precisasse de goles de água. O fenômeno da transformação de comida em vapor se dava mesmo antes da chegada das bebidas. Reúna iguarias numa mesa e elas vão sumir em pouco tempo, não importa o tipo de gente que esteja em volta. Não importa a década. Não importa quem está no Governo. Naquela tarde, nove em cada dez eram homens com camisa de mangas compridas trazendo aquele bonequinho em cima de um cavalo. Ralph Lauren, é assim que chamam. Nenhuma era do jacarezinho, também conhecida como Lacoste. Oito em cada dez eram vestimentas com botões de cima a baixo. Houve um tiozinho quem investiu no formato pra-dentro-da-calça. O convite avisava que seria uma tarde de apresentação de novos rótulos — Oscar Haussmann e Chateau St. Thomas — mas era na explicação da representante comercial que estava a promessa de crônica: uma degustação de vinhos alemães e libaneses.

Uma tarde de dualidades. Era comum nas coletivas de artistas que estavam lançando alguma coisa, nos anos 90 e 00: uma mistureba que reunia figurões dos grandes jornais e o pessoal dos veículos alternativos. Todo mundo comia das pastinhas que as assessoras de imprensa usavam para animar aqueles encontros. E a partir daí, do consumo de comidinhas, a divisão começava a ficar mais caricata. De um lado, marrentões que apontavam os “pequenos” como comilões. Do outro, “pequenos” que de fato às vezes agiam como mortos de fome. Essa dicotomia Alemanha-Líbano podia não ser uma viagem ao passado do jornalista que foi parar lá porque fazia, agora, também o papel de dono de um bar. Mas soava como diversão. Todo fim de mês, donos de bar precisam procurar diversão, para lidar com o movimento mais fraco.

Começaram com os alemães. E o primeiro mostrou-se doce demais. Estranho, dar a partida desse jeito. As especialistas deviam ter suas razões para apostar no OHO1 — Riesling Semi Sweet. A explicação não veio com qualquer aprofundamento, foi quase um “é doce porque é doce”. Na sequência, o OHO1 — Dry e depois o OHO1 — Reserve. Pareciam feitos/servidos só para amaciar, estes rieslings. A melhor coisa a se fazer era abandonar momentaneamente o pessoal dos distintivos de cavalinho para perguntar ao Google sobre aquela uva. E eis que a gente descobre que se trata da uva branca mais cultivada na Alemanha. A França é a segunda maior produtora dessa parada.

O aparecimento de um convidado vestindo bermuda cargo foi como um sinal. Vieram também um balde para descarte e novas garrafinhas de água. Descarte? É, se o cara não gosta muito do que está bebendo ou já provou o suficiente daquilo, manda o restante para o baldinho. Queijo e presunto, ninguém joga fora. Vinho, sim, as pessoas são capazes de dispensar. Não é para tudo que o ralph-laurenismo te prepara adequadamente.

A quarta tacinha daquela tarde era com o primeiro libanês: o chardonnay St. Thomas 2020. Um branco que provocou estranheza. Mas pareceu abrir também a porteira da diversão. Talvez os alemães tivessem feito bem o papel de amaciar o pessoal. Talvez, talvez. Como que poupando uma ida ao Google, a moça que conduzia o abastecimento das taças informou que há uma grande influência francesa na produção libanesa daquele tipo de bebida.

“Manga”, apostou uma convidada, falando de algo que ela tinha sentido ali no vinho. E no flow outras tantas palavras surgiram, como numa rodada de Adedanha. “Mel”, disse alguém, contando com a aprovação de bebedores do lado noroeste da mesa. O escriba que vos digita arriscou um “Tem algo defumado, aqui” e também contou com a aprovação do mesmo grupo. Ali, já dava para perceber que, em termos de vinho, os alemães são (ou tinham sido, naquela tarde) mais “fáceis” do que os libaneses. Isto é, os sabores das bebidas libanesas ali apresentadas eram indiscutivelmente mais complexas e animadoras do que as alemãs.

Da mesma origem, vieram um Pinot Noir 2017, um Les Gourmets Rouge 2018 e… Libanês vai, libanês vem, chegava a hora da última garrafa, aquela que foi apresentada como a grande estrela da tarde: Le Merlot A, de 2009. “Vinho de 1.500,00 Reais”, alguém disse, provocando olhos mais arregalados. “18 meses em barrica”, continuavam, entusiasmados. Até o fechamento deste texto, o preço não havia sido confirmado pelos anfitriões. Seja como for, o produto mereceu ser servido num decanter de cristal. Na taça, o líquido parecia mais oleoso do que os vindos anteriormente, criando desenhos. Impressionante.