“De doce, basta a vida.” Estava aí uma provocação com a qual havia se acostumado. Pensava frequentemente no que motivava e tornava tão recorrente aquela zoação. E — sempre! — antes de concluir qualquer coisa, estava abrindo um novo tablete de chocolate com pelo menos 65% de cacau. Tinha que ser com mais de 65% de cacau. Eram constantes, as idas ao mercado, em busca daquelas belezinhas. Ria com a satisfação de quem não precisa de muito trabalho para livrar-se de uma chacota. Depois, ria por ter esquecido de trazer arroz e batatas. Em seguida, ria ao olhar para os chocolates. Sim, de doce, bastava a vida. De amargos, os chocolates.
Revisitava momentos, através de sabores. Era percorrendo estes mesmos caminhos que entendia/tolerava posicionamentos políticos, as declarações da diarista e do tio militar.Talvez pudesse considerar-se um doce. E, como se fosse pouco, experimentava emoções às vezes contraditórias. Sentia-se assim capaz de viajar no tempo e no espaço. Um parágrafo, quer dizer, um minuto depois, sentia o flerte do esgotamento, e aí para refrescar a cabeça duas possibilidades se apresentavam: algum artista espanhol pop e obscuro, como se fosse possível ser as duas coisas ao mesmo tempo, ou, o que era mais confortável, um pouco de Tchaikovsky.
Arriscou levar uma criança da família ao cinema para assistir ao “Wonka”. Férias pedem isso, afinal. Não queria admitir que o tema do filme havia exercido forte atração. Chorou junto com provavelmente 90% da sala escura quando o protagonista sentenciou que o segredo de uma barrinha de sucesso não é o que há na lista de ingredientes e, sim, as pessoas com quem a gente compartilha aquilo.
Enquanto disfarçava lágrimas, Solar e Ascendente trouxeram à pauta uma campanha que talvez acabasse com o império das pipocas nos espaços de exibição de filmes. Era do tipo que elabora muita coisa ao mesmo tempo. Desistiu logo porque os chocolates estava bem, obrigado, não precisavam de campanha nenhuma. E nem dava tempo de levar aquilo adiante porque os frilas da semana tinham sido tantos que haviam posto em xeque a aula de desenho. Uma aula importante, em que estava estudando perspectiva com um Toblerone.
Um intervalo, um gole de água. Porque todos precisam de intervalos. Um rolé numa noite de sábado. Umas batatinhas fritas aqui, uns pastéis de camarão com catupiry ali. Mais água. A melhor coisa para quem vai ter que dirigir. Um passeio que se estende precisa incluir no planejamento uma passagem pelo mercado 24h, porque é lá que se pode encontrar… chocolate. Se não for assim, não tem (tanta) graça.
1 resposta em “Chocolate para todes”
Belíssima crônica.