Passou pelo Largo do Machado sabendo bem do horário porque se programou para curtir os sons do meio-dia, principalmente/especificamente os sinos daquela igreja onde dois anos antes — na missa de sétimo dia de falecimento da mãe — tinha testemunhado um sacerdote assustadoramente vacilão fazer “piada” dizendo que catequistas seriam fuziladas. Teve dificuldade para driblar as poças d’água, a caminho da feira, já que ia no automático desatento às provocações da chuva; querendo parar de pensar que já era tarde para conseguir bons camarões. Tudo contribuiu para que Pê chegasse atrasado ao encontro com Gê.
Os dois tinham marcado um papo que Gê chamou de “sessão”. Aconteceu, isso, após o mais velho ter acreditado perceber mudanças que considerou significativas no comportamento de Pê. Já eram conhecidos havia o quê, uns bons dez anos? Por aí. Talvez 12. A amizade começara na época do nascimento da filha de Pê, que por meses tinha se transformado numa espécie de atração na hora do almoço no restaurante que os dois frequentavam. Era mesmo uma graça, a menina. Gê ia lá para comer. Pê, para beber: achava que o fato de o lugar ser conhecido como restaurante e não como bar garantia uma dichavada que não fazia mal a ninguém.
“E aí, compadre?” “Fala!” Mãos apertadas. Abraço dado. Sorrisos leves, largos e demorados. Respirações profundas. Depois que as cabeleiras balançaram sob o ritmo de gargalhadas-bênção, houve um bom minuto de silêncio. “O que tá rolando, cara?” Quem fez a pergunta foi o mais novo, ao contrário do que parecia programado para o encontro. Gê encolheu-se, para responder. Comentou sobre o trabalho do qual não estava dando conta. Das despesas que aumentaram sem que ele conseguisse entender por quê. Revelou um flerte com uma droga nova. Confessou ter ficado viciado em xadrez online. Deu um jeito de reclamar do professor de Matemática que teve aos 14 anos e levantou-se para ir ao banheiro.
Pê, neste intervalo, quis revisitar as respostas do amigo. Mas sentiu que se insistisse nisso perderia de vista a lista que estava elaborando. A relação do que guardara para soltar naquele encontro com o camarada; era essa, a lista. Viu pingos — muita gente, mas separadamente e por isso “pingos” — de uma enxurrada em direção às academias e sentiu que, se fixasse a atenção naquelas personagens, também perderia sua programação para a conversa. Sabia que se desconcentrava fácil, fácil, e que talvez pudesse ser este um dos pontos a comentar com o parça. Pode ser que o xixi do outro não tenha demorado o suficiente para que Pê se organizasse. Seja como for, o que aconteceu foi que na volta tudo que Gê ouviu foi “Cara, está tudo na mesma. Não tem muita coisa acontecendo.”
Mais um tempo de silêncio. Então, um intervalo maior. Durou do instante em que o garoto dos amendoins derramou, sobre a mesa, em cima de um papel verde, uma amostra do que estava vendendo e o momento em que este mesmo sujeito voltou para recolher a iguaria. As cabeças balançaram de novo mas aí já não havia nenhuma gargalhada no ar, era só para dizer não ao Vê. Os copos se esvaziaram, vieram mais duas garrafas. Iam experimentar uma bebida diferente.